TÚMULO SINISTRO (1964)

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TÚMULO SINISTRO (Tomb of Ligeia) foi a última colaboração de Roger Corman com o ator Vincent Price, depois de uma série de adaptações da obra de Edgar Allan Poe (e um único que era baseado em Lovecraft, O CASTELO ASSOMBRADO) na primeira metade dos anos 1960, resultando numa parceria de sete filmes fundamentais na carreira de ambos e que qualquer interessado em horror deveria dar uma atenção.

O filme é sobre um cavalheiro inglês, Verden Fell, interpretado pelo Price, cuja morte de sua esposa, Lady Ligeia, lhe deixa um bocado transtornado, vivendo uma vida solitária em sua propriedade (exceto por seu mordomo e um misterioso gato preto), torturado, lamentando a morte de sua amada. Então ele conhece Lady Rowena, uma linda mulher que se parece com sua falecida esposa (ambas são interpretadas por Elizabeth Shepherd) e apesar do jeitão sinistro e melancólico ela é atraída por Verden, que se apaixona e acabam se casando.

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No início, a vida a dois entre Verden e Rowena é só alegria, com o casal viajando Europa à fora, conhecendo lugares distintos e sempre apaixonados. O problema é quando retornam à propriedade e a “presença” metafísica de Ligeia coloca tudo a perder. Verden passa a maior parte do tempo isolado em seus experimentos ou no cemitério nas ruínas de uma grande igreja onde está a tumba de sua primeira esposa, um tipo de obsessão mórbida sempre explorado neste ciclo Edgar Allan Poe.

Enquanto isso, Rowena passa a ter sonhos terríveis (que sãos algumas das melhores cenas do filme) e é perseguida pelo tal gato preto, que parece possuído. Aos poucos, Verden tem certeza de que está enlouquecendo – ou acredita que sua nova esposa está sendo dominada pelo espírito maligno e imortal de Ligeia. O que acontece a seguir é um típico final ao estilo Roger Corman nas suas adaptações de Poe: o mundo desaba, é consumido pelo fogo, pelo horror extremo e Vincent Price desempenhando sua dança da morte, num espetáculo de enquadramentos, efeitos especiais arcaicos e cores.

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Em TÚMULO SINISTRO, Corman faz um esforço consciente para se afastar da aparência estética de seus filmes anteriores do ciclo Poe. Em vez de filmar quase inteiramente em estúdio (como havia sido seu habitual até então), o sujeito optou por muitas externas, confiando menos em nevoeiros pesados e cores vibrantes, e mais nas paisagens naturais as quais explora com uma câmera exuberante: as ruínas, o campo, a cena em que o casal visita Stonehenge, enfim, muitas das cenas acontecem sob a luz do sol. Provavelmente o filme menos dark do ciclo, embora o tom e a construção da obra ainda sejam de um terror clássico, apenas menos estilizado e atmosférico em relação ao que Corman havia feito antes.

Mas ainda assim é um filme que enche os olhos. O visual não deixa de ser deslumbrante, de qualquer forma, especialmente com o trabalho cromático. O uso do vermelho como elemento dramático, por exemplo, cria sensações bem interessantes no decorrer do filme.

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Price sempre inspirado, oferece aqui mais uma performance expressiva, digna de antologia nessas adaptações de Edgar Allan Poe, fazendo um personagem muito no seu habitual, mas ao mesmo tempo sutilmente destoa de outros que interpretou: assustador e imponente, mas frágil, torturado e com toques bem, digamos, perturbadores… Há uma situação que pode passar despercebido e ficar muito à imaginação do espectador, mas nada tira da minha cabeça que claramente seu personagem pratica necrofilia, algo que obviamente não poderia ser explorado às claras no período, mas que Corman dá um jeitinho de insinuar e subverter.

O roteiro de TÚMULO SINISTRO foi escrito por Robert Towne, um dos pupilos de Corman no período – seu primeiro script foi escrito para o diretor, LAST WOMAN ON EARTH (60). Dez anos depois, o sujeito ganharia o Oscar com seu roteiro para CHINATOWN, de Roman Polanski.

Outros filmes do ciclo Edgar Allan Poe que já comentei por aqui:
O SOLAR MALDITO
O POÇO E O PÊNDULO
OBSESSÃO MACABRA

OBSESSÃO MACABRA (Premature Burial, 1962)

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Terceira adaptação de Edgar Allan Poe realizada pelo Roger Corman, PREMATURE BURIAL é geralmente considerado um dos mais fracos do ciclo, algo que eu concordo bastante, embora não signifique que seja um filme ruim. Muito pelo contrário, apenas não está a altura das outras obras. Acho que tem um bocado a ver com a ausência do grande astro da série, Vincent Price, que não pôde participar… Aliás, é o único filme do ciclo que ele não participa e tenho certeza que sua presença poderia transformar isso aqui num filme totalmente diferente. Para seu lugar foi contratado o Ray Milland, que não deixa de ser um baita ator também e eu não tenho problema algum em vê-lo como protagonista por aqui. Só que ele não tem a capacidade de Price em transmutar figuras fracas em grandes personagens.

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Explico melhor a bagaça. Ray Milland interpreta aqui um pintor que possui um pavor doentio da situação de ser enterrado vivo por engano. Epa, mas nós já vimos isso antes, não é mesmo? Os dois primeiros filmes da série que eu já comentei aqui possuem a catalepsia como um dos temas constantes. Mas isso não é problema algum, na verdade. A questão é que PREMATURE BURIAL peca por ter um protagonista atormentado de forma tola pela tal neurose.

Em HOUSE OF USHER você tem um Roderick Usher (Price) atormentado por uma suposta maldição da família, até que dá pra entender – os Usher tinham realmente um galeria de almas sebosas e psicopatas escrotos na árvore genealógica. Em THE PIT AND THE PENDULUM, a mesma coisa: Medina (Price de novo) é filho de um dos inquisidores mais tenebrosas da Espanha e viu, quando criança, o tio e a mãe serem torturados e a última ser emparedada viva… Já em PREMATURE BURIAL… putz, o cara SUSPEITA que o pai sofria de catalepsia e foi enterrado vivo (sem nenhum fundamento concreto, diga-se de passagem) e, com base nessa desconfiança sem pé nem cabeça, acredita que também sofre de catalepsia e que, fatalmente, será enterrado vivo. E é essa nóia sem lógica que leva o cara a se isolar do convívio social e dispensar uma noiva gata pra caramba e (ao que tudo indica) totalmente apaixonada por ele. Meio difícil não achar que o protagonista é meio tapado. E é apenas com isso que se constrói o filme…

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E tenho certeza que Vincent Price daria a carga de expressão, exagerada e necessária, para que esses detalhes passassem mais batidos… Não que o Milland esteja mal. Ele também encarna o papel com tanta convicção que você só pára para refletir sobre a babaquice do personagem depois de ver o filme umas duas vezes; tanto que na primeira vez que vi, nada disso me ocorreu. E acaba sendo mesmo um dos grandes deleites a presença de Milland, querendo ou não, sendo o personagem um fraco ou não. O curioso é que é um ator soberbo, ganhou um Oscar pelo seu desempenho em FARRAPO HUMANO (1945), de Billy Wilder, mas depois, não me pergunte como, acabou parando nos sets de produções de filmes B. Destaque para a pequena participação de Dick Miller, habitual colaborador de Corman..

Já no departamento visual de PREMATURE BURIAL, não há do que reclamar. A cena do devaneio de Milland testando – e dando tudo errado – as modificações que fez no seu “sepulcro” para o caso de acordar ao ser enterrado vivo, é de encher os olhos. A direção de Corman é econômica como sempre, mas o sujeito sabe como manter certo ritmo, sabe como trabalhar uma riqueza visual do mesmo calibre dos góticos da Hammer e nunca deixou a dever aos italianos, como Mario Bava, Antonio Margheritti e Riccardo Freda. Mais fraco do ciclo Edgar A. Poe sim, mas tão obrigatório quanto qualquer outro da série…

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O SOLAR MALDITO (House of Usher, 1960)/O POÇO E O PÊNDULO (The Pit and the Pendulum, 1961)

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Resolvi rever HOUSE OF USHER e THE PIT AND THE PENDULUM, os dois primeiros filmes da série de adaptações de Edgar Allan Poe realizado pelo diretor e produtor Roger Corman nos anos 60. No final da década anterior, Corman já se apresentava como o diretor capaz de fazer imaginativos e divertidos filmes de gênero e que poderiam ser produzidos de forma rápida e barata, eram muito lucrativos e ainda serviam de escola para jovens entusiastas por cinema, como Monte Hellman, Jack Hill e Robert Towne. Quando adentrou os anos 60, o sujeito resolveu se meter nessas adaptações do Poe que os produtores da AIP estavam planejando. HOUSE OF USHER foi o primeiríssimo, portanto, não pode ser desconsiderado como um marco na história do cinema de horror.

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Mas apesar de Corman conseguir se aventurar com precisão no universo e espírito atmosférico de Poe, HOUSE OF USHER não poderia ser exatamente fiel ao texto, até porque seria meio complicado de fazê-lo como um filme de horror convencional. A trama se resume na chegada do jovem Winthrop (Mark Damon) na propriedade de Roderick Usher (Vincent Price) cuja irmã, Madeline Usher, está destinada a ser sua noiva. O problema é que Roderick é rebugento pra cacete, completamente obcecado por uma suposta maldição que percorre a linhagem dos Ushers, e faz de tudo para atrapalhar os dois enamorados. Inclusive, consegue convencer a sua irmã de que realmente suas vidas estão execradas.

O filme notabiliza o estilo genial e singular de direção de Corman, que de prolífico diretor de B movies em preto e branco passou a figurar lado a lado com outros mestres do horror gótico e atmosférico do período, como Terence Fisher e, mais tarde, Mario Bava. Econômico ao extremo, trabalhando com orçamento apertado, ao mesmo tempo charmoso e sofisticado, fazendo uso das cores com inteligência, criando atmosferas pertubadoras, se virando com todo tipo de recurso que conseguia com muita criatividade se transformaram em marca registrada da direção de Corman. E contava, aliás, com um time de primeira durante a produção, como o roteirista Richard Matherson, o diretor de arte Daniel Heller, o compositor Les Baxter e por aí vai…

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Um caso curioso em HAUSE OF USHER que mostra bem o estilo econômico de Corman: O sujeito ficou sabendo que um grande e antigo celeiro seria demolido e conseguiu permissão para que a produção pudesse botar fogo no local enquanto filmava. O resultado pode ser visto no climax, em vários planos do fogo consumindo a grande mansão dos Ushers, mas também em vários momentos do ciclo, já que Corman não deixaria de aproveitar essas mesmas imagens em futuras cenas de incêndios em mansões suntuosas em outros filmes…

E ainda temos Vincent Price, que se apresenta aqui num espetacular desempenho, com seus exageradas expressões faciais, que são uma delícia para quem admira seu trabalho. Não só neste aqui, mas toda a sua participação na série de adaptações do Poe significou a sua consagração como um dos gigantes do horror. Especialmente como Roderick Usher, surgindo imponente com uma cabeleira loura, sua atuação é magistral e, na minha opinião, só perde para Prospero, o maléfico príncipe de A ORGIA DA MORTE, um dos últimos e dos melhores exemplares do ciclo.

HOUSE OF USHER foi um sucesso comercial e fez com que os produtores demandassem mais. No ano seguinte veio THE PIT AND THE PENDULUM.

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Se THE PIT AND THE PENDULUM não for realmente a melhor dentre as adaptações da obra de Poe realizada pelo Corman, ao menos é provável que seja a mais assustadora. É desses filmes que faz bater uma melancolia ao refletir o que aconteceu com o cinema de horror… Por que não se filma mais com tanta elegância, beleza e atmosfera? Claro que existem ótimos casos que ainda salvam atualmente, mas de uma maneira geral o plano mais insignificante de um filme do Corman humilha qualquer coisa do gênero produzida por um grande estúdio americano nos últimos anos.

O filme começa nos mesmos moldes de HOUSE OF USHER, com o jovem Francis (John Kerr) chegando ao castelo de Don Nicholas Medina (novamente Vincent Price), mas dessa vez em busca de respostas sobre a recente morte de sua irmã, esposa de Medina. Francis desconfia bastante de seu cunhado, que aparenta estar escondendo alguma coisa, mas uma vez que a trama revela o passado de Nicholas, em sequências alucinatórias bem interessantes e coloridas, Francis passa a tomar conhecimento dos mais profundos medos de Medina, que acredita piamente que sua mulher foi enterrada viva. No caso, emparedada, uma tradição da família Medina… A trama central levanta questões sobre catalepsia e o pavor do enterro precoce, tema explorado com ênfase em vários exemplares da série, especialmente no filme seguinte, PREMATURE BURIAL, estrelado por Ray Miland. O assunto também é abordado em HOUSE OF USHER.

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O tormento por esse pensamento persegue Don Medina desde pequeno, quando viu seu pai, um entusiasta da inquisição espanhola (também vivido por Price) que possuía sua própria câmara de tortura no porão do castelo, praticando o hobby em sua mãe, deixando-a viva somente para poder enterrá-la ainda naquele estado. E Vincent Price está sublime, mais uma vez. Nicholas Medina é ambíguo na medida certa e suas transformações são retratadas com perfeição por Price, figura que se tornou essencial na composição do estilo de Corman, tão importante quanto o visual caprichado e a atmosfera densa. Outro grande destaque é a presença expressiva da musa do horror gótico, Barbara Steele, no papel de Elizabeth, mulher de Medina. Todos esses elementos ajustados num clímax de tirar o fôlego, quando o vilão da trama finalmente utiliza-se do famoso pêndulo cortante que desce gradativamente até partir ao meio a sua vítima amarrada logo abaixo, possibilitam THE PIT AND THE PENDULUM tornar-se digno de antologia.

HOUSE OF USHER e THE PIT AND THE PENDULUM são excelentes pontos de partida para se aventurar no ciclo de adaptações do Poe…O fato é que todos os filmes da série são obrigatórios a qualquer interessado por cinema de horror e alguns são verdadeiras obras-primas altamente recomendadas.

A ORGIA DA MORTE (The Masque of the Red Death, 1964), de Roger Corman

Demorou um bocado para a Academia reconhecer o quão Roger Corman é importante e representativo para o cinema. Finalmente em 2010 o homem vai receber um Oscar honroso pela contribuição a esta arte que tanto adoramos. E ele merece isso por vários motivos, um desses é por possuir o nome definitivo no que confere às adaptações das obras do escritor de mistério Edgar Allan Poe.

Segundo Corman, a princípio ele realizaria para a American International Pictures apenas A QUEDA DA CASA DE USHER, em 1960. Como o filme foi muito bem recebido, acabaram solicitando outras adaptações do escritor americano. O próprio diretor disse em entrevistas que ficara na dúvida entre The Pit and the Pendulum e The Masque of the Red Death, mas acabou escolhendo o primeiro, pois havia acabado de assistir ao SÉTIMO SELO, e achou que o filme de Bergman possuía muitas semelhanças com o segundo. Depois disso, Corman acabou fazendo a série de filmes inspirados em Poe que todos nós conhecemos e sempre ficava na dúvida entre escolher alguma outra obra e The Masque of the Red Death. Após adaptar todas as estórias que gostava, durante quatro anos, ele já não se importava com as semelhanças do filme sueco e acabou realizando por fim este aqui, que ele considera, ao lado de A Queda da Casa de Usher, um dos melhores escritos de Poe (e acabou recebendo o título de A ORGIA DA MORTE aqui no Brasil).

O filme em si é sensacional. Corman dirige aquele que provavelmente foi o seu maior colaborador nas adaptações de Poe, o ator Vincent Price, encarnando um dos papéis mais marcantes de sua carreira, o do príncipe Prospero. Maquiavélico, sádico, cínico, iconoclasta e adorador do tinhoso, o sujeito é a perfeita representação do mal e Price faz jus à sua reputação de mestre do horror em frente às câmeras numa grande performance. E isso é extremamente crucial para a grandeza do filme. Só sua presença já valeria a conferida.

Mas é claro que o filme vai além. Muitos se lembram de Corman apenas como o pai do dos filmes B americanos, o homem que driblava todas as armadilhas do baixo orçamento e realizava quatro ou cinco filmes por ano. Ou então como descobridor de talentos, tendo lançado no mundo no cinema nomes como Jack Nicholson, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Monte Hellman e muitos outros. Claro que isso são feitos importantíssimos, sem dúvida, mas muita gente acaba esquecendo que ele também era um puta diretor! Em A ORGIA DA MORTE ele estava no auge da criatividade e trabalhando com o seu diretor de fotografia – o futuro diretor Nicholas Roeg – fez miséria com o visual do filme, com o clima atmosférico denso e principalmente com o uso das cores como elemento de horror, algo que só mesmo o italiano Mario Bava conseguia superar. Algumas sequências são verdadeiras pinturas em movimento.

Quanto ao Corman econômico, pai dos B movies, A ORGIA DA MORTE foi seu primeiro filme rodado na Inglaterra, por causa das taxas de impostos muito mais em conta (além de conseguir subsídios do próprio governo britânico), reaproveitando o cenário do filme BECKET, de Peter Glenville, também de 64. Uma prova de que até mesmo nas suas realizações mais rebuscadas visualmente, o espírito B sempre prevalecia. Um fato curioso é que dizem por aí que a atriz principal do filme, Jane Asher, perguntou a Corman se um amigo poderia visitar o set e se juntar a eles para um almoço. Ela explicou que ele era um músico que estava a ponto de fazer seu primeiro show em Londres naquela noite. No final do almoço, Corman deu ao rapaz boa sorte e seguiu em frente. Era ninguém menos que Paul McCartney, e no outro dia Corman leu no jornal sobre o sucesso que havia sido aquele show.

Enfim, fofocas da sétima arte à parte, fica a recomendação para uma noite escura e sombria este belíssimo filme de terror. Fica também a minha homenagem a este grande profissional que finalmente terá seu nome em voga no período da premiação do Oscar no ano que vem (embora seja uma pena, mas parece que a cerimônia não vai ser igual as anteriores mostrando cenas dos filmes e tal com o Oscar honorário).