30 anos de DRÁCULA DE BRAM STOKER

Outro dia tava revendo esse filme do Coppola que já tá completando três décadas. E, mais uma vez, fiquei maravilhado como da primeira vez que vi, quando era moleque, mais ou menos na metade dos anos 90… Essa sequência de abertura em especial simplesmente me deixa sem chão.

Podem dizer o que quiser, eu sei que quando se discute a carreira do Coppola, muita gente já enche a boca pra destacar a trilogia O PODEROSO CHEFÃO e APOCALYPSE NOW como as obras primordiais do homem. E provavelmente essas pessoas estão certas. Sobretudo APOCALYPSE NOW e O PODEROSO CHEFÃO – PARTE III são dois dos maiores filmes já feitos na história.

No entanto, é DRÁCULA DE BRAM STOKER (Bram Stoker’s Dracula, 1992) que certamente está entre as maiores realizações pessoais do diretor.

Na edição de novembro de 1992 da Fangoria – cuja capa se refere ao filme em questão como “O evento de horror da década!” – apresenta uma entrevista com o Coppola, que fala sobre sua tentativa de fazer um filme experimental a partir do romance de Bram Stoker, enquanto o estúdio queria um grande e luxuoso filme de terror de primeira linha. Coppola vinha de uma década de fracassos, não podia ficar de molecagem, mas o próprio filme demonstra que ele conseguiu algo. Ao final da entrevista, ele conclui:

A ironia é que mesmo que este filme não tenha sido tão experimental como eu planejei originalmente – eu consegui talvez 40 % do que eu queria – ainda não é um filme convencional. Certos aspectos dele escaparam de mim, ficaram maior do que eu pretendia; eu estava pensando em fazer uma versão menor, estranha e artística, e o que eu consegui é uma versão grande, estranha e artística.

Caso familiar de eventos na carreira de Coppola: a intenção de fazer um filme menor fugir de seu controle e se transformar em algo muito mais extravagante, épico e suntuoso… Nesse caso, porém, DRÁCULA acabou sendo um raro sucesso de sua carreira pós anos 70, em grande parte graças ao conceito estético da coisa. O homem de alguma forma convenceu um grande estúdio a trazer à vida uma visão experimental do horror para um público então desavisado, que achava que receberia uma super produção tradicional do gênero (e que foi bombardeado na época com uma massiva campanha de marketing), mas que acabou se deparando com um triunfo de vanguarda estética das mais radicais, barrocas, revolucionárias e inventivas no cinema mainstream americano.

E acho que é exatamente isso que mantém DRÁCULA tão vivo até hoje. Mesmo para quem nunca o assistiu e o ainda fará pela primeira vez (e por favor, se alguém aí ainda não viu, faça imediatamente), o que salta aos olhos de maneira instantânea são os mesmos elementos formais pelos quais o filme foi aclamado e premiado há trinta anos.

O sucesso é antes de tudo visual com uma das estéticas góticas mais extravagantes já vistas, um primor de direção de arte, fotografia, exuberância de cores, cenários, figurinos, composições visuais meticulosamente trabalhadas, montagem complexa, efeitos visuais ópticos à moda antiga, buscando mais pureza nas trucagens, na arte de fazer um cinema mais artesanal, com maquetes, teatro de sombras, maquiagens, sobreposição de imagens estilizadas… Ou seja, o que mantém a grandeza de DRÁCULA é esse esforço de Coppola em contar essa história em termos puramente visuais. São duas horas de um festival sensorial que sintetiza o cinema de horror como arte.

Coppola teria ainda delegado bastante responsabilidade ao seu filho Roman Coppola, que teria sido um dos cabeças dos efeitos especiais e também diretor de segunda unidade e que quase poderia ser descrito como um diretor não oficial de DRÁCULA. Tudo isso depois que Coppola demitiu a equipe original de efeitos especiais, que não conseguiu acompanhar as ideias artesanais que o homem queria pro seu filme.

Toda essa ideia de fazer efeitos especiais arcaicos é claramente uma forma de homenagear o próprio cinema e transcender suas inspirações, as outras grandes obras que adaptaram o mito de Drácula para a tela grande, desde os clássicos da Universal aos filmes da Hammer, mas também da poesia fantástica francesa com A BELA E A FERA, de Jean Cocteau. E, claro, NOSFERATU, de Murnau. Apesar de que ao mirar nesse filme do Murnau, Coppola parece ter acertado mais em FAUSTO. Quem assistiu aos filmes do alemão vai perceber…

Uma coisa que não lembrava tanto aqui é como o filme é intensamente erótico. Sexo e morte sempre andaram de mãos dadas no cinema de horror (especialmente quando se trata do subgênero “filmes de vampiro”), mas Coppola trabalha num nível quase fetichista de fantasias libidinosas. O encontro inicial de Jonathan Harker (Keanu Reeves) com as Noivas do Conde (entre elas uma jovem Monica Bellucci) é de matar um idoso do coração, com o leito dando lugar a corpos emergentes que se entrelaçam; bocas, línguas, braços, pernas, seios se encontram antes de Drácula enxotá-los, reivindicando para si o rapaz desnorteado.

A personagem de Lucy (Sadie Frost) nessa versão também dá uma alegrada, toda sapeca, rindo com Mina (Winona Ryder) depois de deixar cair uma cópia do Kama Sutra, antes de acariciar a faca de um de seus pretendentes, dizendo a ele que não pode acreditar o quão grande é. Na verdade, todos os principais temas que geralmente são suprimidos ou mascarados em versões antigas do mito de Drácula adaptadas para o cinema estão aqui de forma mais explícita: a estreita relação da maldição do vampiro com o sexo, AIDS, drogas, além do progresso da medicina, espiritualidade, religião, etc.

É fácil esquecer, dado o número de mudanças em centenas de adaptações que Drácula teve ao longo da sua existência, que não há uma única interação romântica entre o personagem título e Mina Harker no romance de Stoker. O Conde não tem nenhum interesse nela, além do desejo de se banquetear com seu sangue e transformá-la em uma de suas noivas. Ela é apenas a vítima de um predador;

Mas aqui o olhar de Drácula é a de um amante. De repente, não estamos mais assistindo as façanhas de um monstro sem alma, mas sim um espírito assombrado, alimentando desesperadamente sua jornada através de épocas para alcançar o destino de possuir aquela que ele perdeu há muito tempo.

E a história de amor entre Drácula e Mina, apesar de cafona, até que é boa de acompanhar, com alguns momentos tocantes, como o primeiro encontro dos dois, seguido da cena no cinema; ou a sequência em que Mina se entrega ao sujeito e bebe seu sangue. Coppola realmente conseguiu fazer do personagem um indivíduo trágico através desta história e causar um sentimento misto, no qual queremos tanto vê-lo perecer por seu lado maligno quanto em reencontrar o seu amor.

Sobre o elenco, A primeira coisa que as pessoas costumam lembrar para difamar o filme é, claro, a atuação de Keanu Reeves como Harker. Sabe-se que Coppola queria Johnny Depp para o papel, mas o estúdio não achava que ele tinha o nome forte o suficiente na época. O próprio Reeves diz que não gosta de sua atuação aqui, vinha de uma série exaustiva de trabalhos e quando filmou DRÁCULA estava esgotado, não conseguiu entregar algo melhor. Mas não acho que chega a prejudicar, embora não seja mesmo das suas melhores performances.

Mas para além disso, curto praticamente todos os rostos que aparecem por aqui, especialmente Anthony Hopkins, obviamente, no papel de um Van Helsing divertido e astuto.

Outros destaques do elenco incluem Tom Waits interpretando Renfield como um comedor de insetos, e Sadie Frost, que, como já falei, assume o papel de Lucy, personagem tipicamente ingrato da melhor amiga da protagonista, que Drácula seduz primeiro, mas que aqui acaba tornando algo especial. É uma das minhas personagens favoritas do filme.

E enquanto isso, a própria personagem Mina não exige tanto de Ryder na maior parte do tempo. Ela tá ótima, mas acho suas outras performances do período muito mais interessantes…

É Gary Oldman, porém, quem rouba o filme e seus talentos camaleônicos são perfeitos para o Drácula como concebido aqui. Conseguindo atuar de forma convincente através dos vários designs complexos de maquiagem, Oldman é igualmente expressivo como um Drácula idoso decrépito, um jovem galã vitoriano ou um morcego de 1,80 m de altura. Suas cenas românticas com Ryder lembram aqueles livretos de banca, Harlequin, A Paixão de Jéssica, O Moinho do Amor, coisas do tipo, mas ele é persuasivo o suficiente para que, quando expõe seu peito e rasga um teco para Mina beber seu sangue, seja possível perceber que ela realmente tá a fim do cara.

É provável que DRÁCULA tenha sido um dos primeiros de uma onda de filmes de vampiros dos anos 90, como ENTREVISTA COM O VAMPIRO, que adotaram uma abordagem gótica, sombria, mas ao mesmo tempo romântica, que atraíam o público jovem do período.

Anos depois, é fácil traçar uma linha desse tipo de filme até, sei lá, a série CREPUSCULO, embora os fãs de DRÁCULA provavelmente zombem dessa comparação. A verdade é que eles exploram as mesmas fantasias. Porém, é muito provável que em comparação com a sexualidade casta de Stephanie Meyer, o filme de Coppola é praticamente pornográfico… Pessoalmente, nunca vi esses filmes dessa saga.

Enfim, a única parte negativa disso tudo é notar é que este aqui foi o último grande filme do diretor. Coppola até possui vários ótimos trabalhos depois, como TETRO, mas nada que chegue aos pés de DRÁCULA. E lá se vão trinta anos…