A terceira adaptação do conto de Ernest Hemingway no cinema, (A primeira, um longa de 1946 de Robert Siodmak, e a segunda, o primeiro curta-metragem, de 1956, de Andrei Tarkovsky) esse OS ASSASSINOS de Don Siegel é, com certa facilidade, a melhor de todas. Originalmente era fruto para ser o primeiro de uma série de outros filmes para televisão chamada “Projeto 120”, mas foi considerado tão brutal que resolveram lançar para o cinema. O filme em momento algum tem medo de mostrar cenas gráficas de violência, contra mulheres inclusive. Chega a ser chocante até mesmo para quem o vê hoje. O fato do Siegel ter filmado em Scope também ajudou bastante.
O filme muda completamente o ponto de vista do original, colocando-o sob a perspectiva dos assassinos contratados para matar Johnny North (John Cassavetes), que chocados pela reação submissa diante à própria morte, não tentando escapar do seu destino por nenhum momento sequer, vão atrás da verdadeira história por trás daquele contrato. Eles acabam descobrindo que Johnny se envolveu em um roubo de 1 milhão de dólares, mas esse dinheiro acabou sumindo. Eles então vão atrás dos conhecidos do Johnny, um por um, para descobrirem de fato do porquê sua vítima não tentar fugir, quem os contratou para o serviço, e o paradeiro do dinheiro. Descobrem que Johnny se envolveu com Sheila Farr (Angie Dickinson), a namorada do mentor do plano, Jack Browling (Ronald Reagan, surpreendentemente bem).
Vendo hoje, é quase impossível não enxergar a forte influência que esse filme exerceu sobre PULP FICTION. Toda a essência do filme em colocar a camaradagem (e química) entre os dois assassinos está lá. Enquanto Lee (Clu Gulager) faz a vez de Vincent Vega do Travolta, silencioso, intempestuoso, e sempre o mais disposto à atos violentos, Charlie Strom (Lee Marvin) fica com a essência do Jules, de Sam Jackson; o mais falante e intimidador, e realmente o cérebro da dupla, sempre pensando pelos dois. Sem falar que enquanto Lee parece estar no auge da sua “carreira” como criminoso, Charlie já tem um semblante amargo e esgotado, tentando justificar sua busca pelo dinheiro como sua “aposentadoria” garantida, e sair da vida de matança uma vez por todas.
O filme também parece tirar o melhor de cada integrante do elenco. Além de Ronald Reagan fazer a performance da sua vida (infelizmente iria se aposentar da carreira artística para se dedicar a política de vez logo depois), Angie Dickinson merece destaque exclusivo e está em seu esplendor como uma femme fatale (contra o tipo) que assim como todo o resto dos personagens, não parece ter qualidades redentoras nenhuma. Ela conhece e seduz o personagem do Cassavetes, e como uma boa e clássica femme fatale, o manipula com sexo e acaba com sua carreira como piloto de corrida, o obrigando a entrar no plano do assalto do seu igualmente inescrupuloso namorado. Sheila Farr é a perfeita Lady MacBeth, que demonstra simpatia para onde o vento estiver soprando. Cassavetes também está excelente como o pato arrogante da vez no gênero.
OS ASSASSINOS é um grande “pulp” neo-noir, que parece sempre estar tentando se engrandecer, apesar do baixo custo de produção. Em um plano aéreo incrível vendo pessoas saindo de um hotel, descobrimos que estamos de fato diante de uma câmera subjetiva de um sniper que começa à atirar em seus alvos. Orçamentos à parte, é de fato, um grande filme. E o começo do melhor momento da carreira do Siegel.
“Eu nunca farei um filme sobre guerra a não ser que seja extremamente anti-guerra. Lado nenhum ganha uma guerra. É muita hipocrisia nações que entram em guerra, todos com seus padres e ministros rezando pelo mesmo Deus por vitória. Guerra é fútil e sem sentido. É verdade que o inferno é para os heróis. E também é verdade que o inferno é o único lugar para “heróis”.
E depois de dizer essas palavras que Don Siegel realiza aqui seu único filme de guerra, e também a única parceria dele com Steve McQueen, esse que colhia os frutos do recente sucesso de Sete Homens E um Destino, retoma o papel do durão em combate, novamente se vendo em uma situação de desvantagem, como um sargento rebaixado para posição de soldado por problemas com bebida e de comportamento. Anti-social e com graves problemas com autoridade (ou mesmo psicológicos, ou com a guerra em si), ele se junta a um grupo de soldados em Montigny, França, em 1944, à uma área próxima a perigosa Siegfried Line.
Rejeitando qualquer interação social com os outros soldados, antipático e de poucas palavras, vira quase uma pária em um grupo que já se preparava para voltar para casa, quando uma nova missão é enviada para seu comandante: tentar segurar tropas alemãs de continuar avançando na região. O único problema é que os nazistas detêm mais dados, maior quantidade de tropas, e maior quantidade de fogo. E a única coisa que os impede de passar por cima do pequeno grupo de aliados é não saber o quão forte é o task-force inimigo. Aí que entra as habilidades do soldado Reese (McQueen), que convence seu sargento superior (Harry Guardino) a bolar um plano mirabolante para fazer eles parecerem que estão em maior número e com maior poder de fogo do que parece. De falsas conversas no telefone com quartel-general (eles descobrem uma escuta alemã em seu bunker) até tentar fazer o barulho de um Jeep parecer com um de tanque, eles precisam quebrar a cabeça para redefinir a arte da ilusão.
Em uma produção obviamente de baixo orçamento, Siegel faz o que pode para construir cenas impactantes (algumas cenas dos soldados morrendo em campos minados são angustiantes), mas o que o filme tem de melhor mesmo é se livrar dos clichês sobre irmandade entre soldados na guerra. O filme vai construindo sua tensão até o final brutal (obscuro e pessimista, um frescor audacioso para esse tipo de tema). Pena que seu desenvolvimento e narrativa truncada não ajudem muito. O elenco mal aproveitado conta também com James Coburn (que também vinha de Sete Homens) fazendo pouco mais que uma participação, sem desenvolver um personagem realmente forte. Quando lançado, foi visto como o filme de guerra genérico que é, mas com o passar do tempo, e com a popularidade do Siegel, acabou virando “cult”.
Semelhante à seu personagem, McQueen teve vários problemas com a “autoridade”. De executivos do estúdio até Robert Pirosh, o roteirista e diretor inicial do longa, que logo foi substituído por Siegel e nunca perdoou McQueen por ter tirado seu “bebê” dele. Quando Siegel assumiu, inicialmente também não foi muito lá recebido pelo ator rebelde, mas logo os dois entraram no mesmo ritmo e, aparentemente, terminaram amigos até o resto de suas vidas! Não foi o caso de Bobby Darin, outro que se desentedia constantemente com o astro. Muito se disse que o comportamento foi uma espécie de “método” que o McQueen estava usando para se manter no personagem, mas logo se percebeu que era apenas uma desculpa esfarrapada para ele continuar sendo um cretino com todos à sua volta. Havia inclusive uma máxima de todos na produção, sobre o protagonista do filme dizendo que “o pior inimigo de Steve McQueen, era ele mesmo”. Certa vez um colunista veio visitar os sets de filmagem e após também testemunhar o comportamento “errático” de McQueen, teria dito a mesma frase para alguém ao lado. Darin, que estava por perto e acabou ouvindo, logo tratou de interromper a conversar e afirmar enfaticamente: “Não enquanto eu estiver por perto!”
É impressionante a má vontade da crítica especializada (Tirando o Jonathan Rosenbaum) com esse que foi o último filme do mestre moderno da ação, John McTiernan, antes de ir em cana por perjúrio em um caso bizarro envolvendo ele e um produtor daquela bagunça que foi o remake de ROLLERBALL. Inclusive exatamente por estar vivendo esse momento problemático que acho que VIOLAÇÃO DE CONDUTA ainda assim conseguiu ser um dos mais engenhosos e instigantes thrillers da década passada. Continuar lendo →
Prosseguindo com o Ciclo John McTiernan, para falar de DURO DE MATAR – A VINGANÇA convidei um dos maiores admiradores do filme que conheço e que inicia aqui uma espécie de colaboração oficial no blog. De vez em quando, o sujeito vai pintar por aqui com alguns textos especialíssimos. E acho que já começou muito bem!
Quando Bruce Willis retornou ao seu icônico papel de John McClane pela terceira vez, algumas coisas já haviam mudado bastante na vida do astro desde o primeiro filme. Para começar, o próprio fator “astro”. Bruce Willis não só já havia se tornado um, como provavelmente era o maior do mundo naquela época (Com Stallone e Schwarzenegger já meio que desgastados). O próprio diretor do DURO DE MATAR original, John McTiernan que retomava a série, já era considerado um dos mais respeitados diretores de ação de Hollywood. E se já no segundo filme as pessoas meio que engoliram com certa dificuldade a frase do McClane: ““Como é que a mesma merda pode acontecer com o mesmo cara duas vezes?”, aqui no terceiro a estigma que o homem comum já havia se transformado em mais um “super action hero” era inevitável. E mesmo Willis interpretando o personagem com os mesmos aflitos, a mesma humanidade de sempre, (errando, hesitando, se alterando, como uma pessoa perfeitamente normal) o público já enxergava McClane como um Rambo urbano.
Então com o fator “homem comum em situação extrema” fora do baralho para o Willis, como contornar isso? Colocando o Samuel L. Jackson para fazer o pobre coitado da vez, é claro! Os dois recém saídos do surpreendente sucesso de PULP FICTION, mas sem nunca se encontrarem em cena uma vez sequer, dessa vez aqui eles se grudam do começo ao fim mostrando excelente química e criando um improvável buddy-cop movie, onde um dos personagens nem policial é, e solucionando o principal ingrediente que fez o primeiro filme ser tão especial.
Como odeio escrever sinopses quando estou escrevendo sobre um filme, deixa eu ir direto ao ponto: O campo de batalha da vez aqui não é um local fixo como no prédio Nakatomi Plaza em Los Angeles ou o aeroporto de Washington, e sim a inteira cidade já caótica de Nova York, a “homeland” do nosso herói. Lançado em 1995, pré-11 de Setembro, (lembro com exatidão como cenas do filme foram usadas anos depois a exaustão para demonstrar a terrível semelhança entre Hollywood e a vida real que acontecia no fatídico dia. Engraçado que no próprio filme tem uma menção, como alívio cômico, ao atentado terrorista no World Trade Center anterior ao 11 de Setembro em 1993) McClane aceita a participar de um joguinho que um terrorista que acionou diversas bombas em locais diferentes pela cidade, propondo em troca poupar vidas de civis. Logo em sua primeira “missão”, o azarado policial é mandado andar em pleno Harlem vestindo apenas uma placa escrito:
Da hora a vida, né?
“Simon diz: Sr. Wayne, seu chá está pronto”
O tal terrorista conhecido apenas como “Simon” obviamente nutre um rancor específico por McClane, querendo o colocar em situações constrangedoras, perigosas e até mortais. Mas por quê? Então você que não viu o filme, por favor pare de ler o texto porque vou tirar isso a limpo agora: o Tal de Simon terá a identidade completa revelada como Simon Gruber. Sim, o irmão do “terrorista” Hans Gruber (Alan Rickman), morto por McCLane no primeiro filme e que agora busca vingança. Vendo por esse ponto de vista chega até ser comovente a história de amor de uma família de terroristas tão unida. Mas assim como no primeiro filmes, as coisas não são bem o que parecem. Mas essa revelação, que considero bem mais importante do que a relação de Simon com Hans, não vou deixar escapar. Fique apenas sub-entendido que justamente o que fez falta para o segundo filme em termos de um vilão fodão (acho o uso tanto de William Sadler quanto de Franco Nero, desperdiçados. O que é um pecado) o terceiro supre com uma composição sinistra genial de Jeremy Irons, que não deixa nada a desejar ao personagem de Alan Rickman. Muito pelo contrário, ele até mesmo possui o mesmo talento para “dissimular”. Aliás, não lembro de outro filme de ação puro depois desse, além da dobradinha Travolta/Cage em A OUTRA FACE que tivesse um vilão tão icônico e carismático. Estou me referindo apenas a filmes cujo o gênero “ação” se sobressai aos demais no filme em si, ou seja, não me refiro a personagens de dentro de temáticas mais divididas como “aventura” ou “policial”, deixando claro. O último que me chamou atenção nesse sentido foi Van Damme em OS MERCENÁRIOS 2 e ainda sim talvez muito mais por saudosismo do que pelo personagem em si. Não é a toa que Sean Connery, cujo papel foi o primeiro a ser oferecido, recusou por achar se tratar de um personagem maligno demais para ele (E realmente seria uma surpresa ver ele nesse perfil, apesar de achar que ele mataria a pau tanto quanto Irons)
Willis: “Você é racista! Você não gosta de mim porque eu sou branco!” Jackson: “Eu não gosto de você porque você matou meu camarada Vince em PULP FICTION!”
Mas voltando a história, depois de escapar de um possível linchamento de uma gangue local do Harlam com ajuda de Zeus Carver (O já citado Sam Jackson), um vendedor local boa-praça mas com um pouco de complexo de Malcolm X demais da conta (um personagem cuja a verborragia parece ter saído de um filme do Spike Lee, mas que o deixa ainda mais divertido) que acabou se metendo nessa furada por puro acidente. McClane, agora obrigado a trabalhar com o pobre civil contra sua vontade por Simon que mantem contato com eles por ligações misteriosas (onde ele parece estar sempre a par de tudo que acontece com a dupla em detalhes, dando-lhe um aspecto ainda mais misterioso e divino), os mandando de ponta a ponta pela cidade, tentando desvendar pequenas charadas afim de impedir que ele acione as bombas espalhadas pela a Grande Maça. O que se segue é uma direção frenética (literalmente) de McTiernan com nossa dupla tentando chegar nos locais designados por Simon a tempo, seja por corridas alucinadas de carro pelo tráfico infernal da cidade ou mesmo de bicicleta ou a pé. (de maneira que eles até conseguem chegar mais rápido ao locais desejados devido ao trânsito caótico) Mas não pensem que Zeus está ali apenas para ser alívio cômico como o cidadão comum. É um personagem inteligente e corajoso que salva a pele de McClane diversas vezes no filme.
Originalmente escrito por Jonathan Hensleigh, especializado em roteiros de filmes de ação/aventura de grande orçamento, a história inicialmente era para ser outro terceiro filme de outro clássico do gênero, MÁQUINA MORTÍFERA e o personagem de Zeus seria uma mulher (?!), o que faria mais sentido se nessa versão da série o Murtaugh (Danny Glover) estivesse enfim aposentado e Riggs (Mel Gibson) trabalhando sozinho (será?). E de fato o filme é nada mais que um clássico “corrida contra o tempo”. Quase um “chase-movie” cujo a motivação do personagem é mera desculpa para perseguições, conflitos e explosões. Muitas explosões. Mas tudo isso é muitíssimo bem encaixado para a saga de McClane e orquestrado por quem entende do riscado, com personagens cativantes, que você realmente se importa e torce. E se estressa junto pela tensão. Sem nunca deixar de admirar a maneira como o vilão arquiteta seu plano de maneira genial e colocando a cidade sob seu domínio utilizando apenas sua voz. (Irons só vai aparecer de fato depois de quase uma hora de filme rolando)
Dá para se dizer que DURO DE MATAR – A VINGANÇA é o tipo de blockbuster milionário que o cinema produziria em massa se o mundo fosse perfeito. Aquele blockbuster que vale cada centavo gasto. Uma sequência que nada deve ao original. Sem nunca se comprometer para atingir um público maior nos cinemas (além de uma cena de tiroteio violenta e brutal no elevador, McTiernan incluiu uma cena de sexo gratuita apenas porque já sabia que o filme receberia censura 16 anos) e ao mesmo tempo saber incluir perfeitamente o humor no filme. E aqui não há lugar para Greedo atirar primeiro. McClane é Eastwood aqui, atirando primeiro enquanto deixa a cautela para os vilões acharem que estão por cima da situação. Um grande filme que talvez tenha sido prejudicado apenas pelo estigma do “terceiro filme é sempre o pior” das diversas trilogias que tivemos até então. Talvez isso explique o motivo do porque a cotação do filme é tão baixa no Rotten Tomatoes e, pasmem, a do horrendo quarto filme ser superior. Ou talvez pelos seus 10 minutos finais onde tudo parece ser solucionado em um passe de mágica onde eles conseguem fazer o que não conseguiram em 1:50 de filme. E ainda trazem o personagem do Zeus junto, arriscando sua vida depois que ele já estava são e salvo. Pra quê?! Eu juro que acharia lindo se o Simon Gruber saísse vitorioso, e nem precisaria matar o herói pra isso! (e assim até retornando a humanidade do McClane do primeiro filme, que fecharia perfeitamente o ciclo) Mas acho que isso já é pedir demais para um blockbuster desse tamanho.
Agradecimentos ao Ronald pelo convite!