MATE TODOS ELES E VOLTE SÓ (1968)

… aka Ammazzali tutti e torna solo
… aka Kill Them All and Come Back Alone

Filme que fecha um primeiro ciclo de Spaghetti Westerns do diretor Enzo G. Castellari, que se arriscaria em outros gêneros nos dois trabalhos seguintes antes de voltar ao faroeste. Mas não sei, pode ser impressão minha, me pareceu que o diretor já estava meio de saco cheio de trabalhar com os elementos do gênero, ou de contar uma história bem inserida neste universo do “bang bang”, e escreveu, em parceria com Tito Capri e Joaquim Romero Marchent (diretor de um dos westerns italianos mais violentos que se tem notícia: CONDENADOS A VIVIR), uma historinha sem muita substância sobre um grupo de mercenários, liderados pelo ótimo Chuck Connors, contratados para roubar um milhão de dólares que se encontra dentro de um forte do exército da união, em plena guerra civil americana. Sem optar por explorar os personagens, conflitos psicológicos, aprofundar de forma dramática no tema da traição que acontece bastante na trama, MATE TODOS ELES E VOLTE SÓ acaba tendo um plot bem básico, que beira ao simplório…

Em compensação, o que temos aqui em termos de ação é algo extraordinário! O filme pode muito bem ser resumido como uma sucessão de sequências frenéticas e exageradas de tiroteios, explosões, pancadarias, tudo muito bem orquestrado pelo diretor que se especializou neste tipo de coisa. Não é a toa que consideramos Castellari entre os grandes mestres do cinema de ação ao lado de John Woo, Sam Peckinpah, John Flynn, etc… E se não temos aqui personagens profundos, ao menos cada um deles tem sua especialidade voltada para ação (o atirador de facas, um grandalhão fortão, um acrobata e até um especialista em explosivos que carrega uma bazuca!!!). No elenco, temos várias figuras reconhecíveis no faroeste italiano, mas sem grandes destaques em desempenhos, com exceção de Connors e do já frequente colaborador de Castellari, Frank Wolff.

Talvez com um pouco mais de atenção a certos detalhes no roteiro, trama e personagens, teríamos uma obra prima. Mas do jeito que está MATE TODOS ELES E VOLTE SÓ já se torna obrigatório como um dos Spaghetti Westerns mais movimentados e recheados de ação que eu já vi!

SOYLENT GREEN (1973), de Richard Fleischer

Ah! Os bons tempos em que a ficção científica era tratada no cinema de forma simples, criativa, reflexiva… pena que eu não era nem nascido na época, ou era muito novo já nos anos 80, mas tudo bem. Boa vontade para resgatar estes filmes é o que não falta.

No fim dos anos 60 e inicio dos 70 o cinemão americano ainda ia muito além do que uma simples diversão de fim de semana. Nesta mesma época as produções Sci Fi começaram a apostar com mais intensidade na vertente dos futuros sombrios, pessimistas e apocalípticos pós-nuclear com fortes mensagens políticas/sociais referente às possíveis conseqüências da Guerra Fria. Filmes como PLANETA DOS MACACOS e THE OMEGA MAN são bons exemplos que ilustram a maneira de recriar sem frescura estes universos. SOYLENT GREEN também entra na dança. E Todos que citei foram estrelados por Charlton Heston.
Após interpretar Moisés em OS 10 MANDAMENTOS, ganhar o Oscar por BEN HUR, interpretar o pintor renascentista Michelangelo em AGONIA E EXTASE e trabalhar com grandes diretores nos anos 60 como Sam Peckinpah, Anthony Man e Nicholas Ray, Charlton Heston decidiu mudar um pouco o tom de sua carreira, tornando, nos anos 70, um autêntico action man em filmes de ação, western, ficção científica e até em uma das superproduções que iniciaram o filão “filme catástrofe”, TERREMOTO. Mas principalmente as produções mais modestas deram ao sujeito uma brecha para que explorasse personagens curiosos e estranhos, como o Thorn de SOYLENT GREEN.

Baseado no romance Make Room! Make Room! de Harry Harrison, o filme transcorre no ano de 2022, em Nova York, onde 40 milhões de pessoas vivem abarrotadas pelas ruas como animais. Para piorar, o aquecimento global já atinge proporções absurdas e a escassez de alimentos e objetos comuns do dia a dia permeia sobre a população; o único alimento disponível é provido pela corporação Soylent, que distribui tabletinhos com cores e sabores diferentes. Mas o que faz mais sucesso com a moçada é o Soylent Verde, com seu sabor indefinido, mas com um valor nutritivo suficiente para a sobrevivência desta raça que conhecemos como humanos.
O problema é que até mesmo os produtos Soylent estão começando a faltar para a população, e estes, insatisfeitos, iniciam frequentes motins contra o sistema a cada distribuição mal feita. Em uma dessas sequências, é mostrado como a polícia resolve este pequeno probleminha habitual. Basta alguns caminhões com carregadores de areia de trator acoplados à frente para retirar as pessoas da multidão enfurecida como se fossem, realmente, grãos de areia. Sensacional!
E onde o Charlton Heston entra nessa estória toda? Bom, a trama de SOYLENT GREEN é estruturada como um filme policial, com direito a investigações e etc, apenas enquadrada neste contexto futurista. Thorn é um oficial da lei que, com a ajuda de seu velho amigo Sol (Edward G. Robinson em seu ultimo papel no cinema) com quem divide o apartamento, tenta resolver o caso do brutal assassinato de um alto executivo da multinacional Soylent, mas a cada descoberta, o sujeito se depara com um segredo terrível envolvendo a fórmula de fabricação do Soylent Verde… qual será o segredo da receita? Eu não vou contar, mas depois que eu descobri, perdi o apetite…
Umas dos melhores detalhes do filme é a composição de Thorn. Ele é praticamente um policial meio depravado pelas circunstancias da qual o mundo se encontra. Quando entra na casa do milionário assassinado, no local do crime, Thorn começa a ver objetos simples que nunca havia visto antes – e aproveita para roubá-los e levar para o seu amigo Sol (que chora ao ver alguns itens que imaginava nunca ver novamente) – como sabonete, whisky, um pedaço de bife, extremamente raro, entre outras coisas. É preciso ver a expressão de prazer de Heston quando seu personagem lava o rosto numa torneira de água corrente e quentinha. Algo praticamente impossível de se fazer em condições cotidianas. São vários os detalhes que ajudam a compor o personagem e definem o futuro apresentado.
Além de Heston e Robinson, temos no elenco o veterano Joseph Cotten em uma pequena participação como o milionário assassinado e Chuck Connors como seu guarda costa e uma pedra no sapato de Thorn. Mas Robinson, bastante velhinho e ciente que a morte se aproximava (morreu pouco tempo depois que as filmagens foram finalizadas), é quem rouba o filme. A cena onde ele vai para “A Casa”, uma espécie de clínica onde as pessoas desfrutam de alguns minutos de paz e logo depois recebem uma morte boa e tranqüila é belíssima e impossível não se emocionar. Uma despedida à altura do grande trabalho que Robinson prestou ao cinema como ator.
A direção é de Richard Fleischer, legítimo autor do cinema de gênero americano e não um empregado de estúdio como muitos o subestimam, infelizmente. SOYLENT GREEN é um dos seus maiores exercícios de criatividade. Com poucos elementos e a decoração retrô dos anos setenta, deu uma visão de futuro apocalíptico muito mais convincente que a maioria dos filmes atuais cujos executivos dos estúdios preferem gastar rios de dinheiro para criar universos artificiais em computação gráfica (claro que naquela época não existia CGI, então os realizadores tinham que botar a cuca pra funcionar mesmo).

E para deixar a coisa ainda mais interessante, porque eu não sou de ferro, Fleischer arruma uma forma de relacionar toda o pensamento sobre o futuro da humanidade com boas doses de cenas de ação ao estilo seco e sem firulas da época.
Mas quanto a “mensagem” geral e profundamente reflexiva de SOYLENT GREEN sobre este futuro negro que o filme apresenta, eu parei para pensar e interpretar todos os elementos e acabei chegando na seguinte conclusão (e estou aberto a discussão): contanto que eu seja um dos milionários que come filé mignon em uma cobertura de luxo, a humanidade pode seguir comendo seus tabletinhos tranquilamente. Caso contrário, a vida seria uma merda!