PLANETA DOS MACACOS (2001)

Recentemente, antes de ficar quase dois meses sem postar nada por aqui (esses últimos meses de 2020 estão fodas), me aventurei a peregrinar a série de filmes PLANETA DOS MACACOS. Escrevi sobre os cinco filmes clássicos, mas fiquei devendo os mais recentes que foram surgindo ao longo das décadas… Nos últimos anos até apareceu uma nova trilogia, cujo último filme eu nem cheguei a ver. Mas dessas refilmagens/reimaginações/continuações, o que eu realmente aprecio, apesar da fama ruim que possui, é o PLANETA DOS MACACOS de 2001, dirigido pelo Tim Burton.

A história não é exatamente igual a do original de 1968. Tim Burton chamou de “reimaginação” da mesma história (lembrando que o original é baseado no romance La Planète des Singes, de Pierre Boulle). Neste PLANETA DOS MACACOS também temos um astronauta americano caindo num estranho planeta onde humanos são a sub-espécie escravizada por uma população de macacos tiranos e militarizados. A nave de Leo Davidson (Mark Wahlberg) cai no planeta depois de sair de uma tempestade magnética durante uma busca mal sucedida a um simpático chimpanzé utilizado como cobaia em missão de reconhecimento. Com a sua experiência “avançada”, Davidson será o líder de uma revolução contra os símios, tendo como aliados um grupo de humanos primitivos, mas que já falam um bom e velho inglês para se comunicar, diferente dos humanos dos primeiros filmes originais. Há também dois macacos “progressistas” na luta pela igualdade entre as espécies. Um deles interpretado pelo grande Cary-Hiroyuki Tagawa, o Yoshida, vilão de MASSACRE NO BAIRRO JAPONÊS.

O elenco, aliás, é um dos principais destaques do filme: Helena Bonham Carter, Paul Giamatti, Michael Clarke Duncan, Kris Kristofferson, até Charlton Heston, o astro do filme original, aparece. Desta vez maquiado de macaco. Quem rouba a atenção de todos, no entanto, é Tim Roth como General Thade, um chimpanzé militar sádico, comandante do exército que quer ter controle sobre a civilização dos macacos, numa atuação entre o exagero e a expressividade aterradora que eu curto bastante.

Wahlberg é tecnicamente o protagonista de PLANETA DOS MACACOS, mas além desse baita elenco povoando o filme, as verdadeiras estrelas aqui são as maravilhosas criações de Rick Baker, um dos maiores maquiadores de Hollywood. E até hoje, passados praticamente vinte anos do lançamento, o resultado por aqui ainda é de impressionar. Ao contrário do original, os movimentos dos personagens macacos, seus maneirismos e até expressões faciais são muito mais parecidos com os de símios reais. Lembro que foi bastante divulgado na época que o treinamento corporal dos atores para recriarem os movimentos de macacos foi um trabalho árduo. Mas o resultado na tela chama a atenção. Especialmente porque Burton se preocupa bastante em explorar detalhes cotidianos dos símios, que é uma das melhores coisas do filme.

Uma coisa que PLANETA DOS MACACOS de 1968 conseguiu, além de marcar toda uma época e dar início a uma franquia lucrativa com mais quatro filmes e duas séries de TV, foi de trazer à tona idéias pertinentes sobre o estado das coisas daquela época (ameaça nuclear, política, racismo). Visto por esse lado, essa versão de Tim Burton até tenta lançar um olhar sobre algumas destas questões, em especial sobre igualdades e o militarismo da era Bush, ou seja sobre a estupidez do militarismo; e nesse sentido, PLANETA DOS MACACOS não deixa de ser um filme político. Mas ao mesmo tempo não me parece muito interessado em se aprofundar em nada disso. Acaba se saindo mais como um divertido filme de ação/sci-fi, extremamente bem feito e com Burton dirigindo com consciência da responsabilidade que tem em mãos.

Quero dizer, o sujeito era um dos diretores mais interessantes de Hollywood na época e fica evidente do início ao fim a pressão que colocaram pra cima dele com essa “reimaginação”. Na própria mecânica do filme, na sua incapacidade de ousar, percebe-se que Burton não teve muito espaço para imprimir traço reconhecível do seu estilo, buscando respeitar o material original e não ferir os sentimentos das fanzocas da saga. PLANETA DOS MACACOS poderia ter sido dirigido por qualquer diretor competente do período que o produto final não seria muito diferente. Não tô dizendo que o filme é totalmente genérico, a mão do diretor para o tipo de aventura que ele cria aqui até carrega um bocado de sua assinatura, mas acredito que está bem longe do autorismo do sujeito que apropriou-se do universo de Batman e deu-lhe toda uma identidade pessoal. Esse Tim Burton, e o de ED WOOD, EDWARD MÃOS DE TESOURA, MARTE ATACA, A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA, é que não parece estar aqui.

Sinto um pouco disso no quesito “ação”, que resume-se basicamente a um corre-corre que não chega a empolgar muito. A batalha final e todo o ato que se desenrola a partir dali já desperta maior interesse… Chega a lembrar o Burton de antes. Mas, tirando esses detalhes de autorismo, o trabalho de Burton como artesão de estúdio é impecável, feito na medida para respeitar o filme de 68. Mas fico imaginando o que um Paul Verhoeven faria com esse material. Com certeza ia rolar uma “aproximação” mais íntima entre Wahlberg e a Bonham Carter de macaca que ia arregalar uns olhos. Seria genial. Por aqui, só um flerte distante, o máximo que Burton conseguiu…

De qualquer forma, é uma pena que boa parte do público não tenha curtido essa versão. É um filme divertido, mas que a rapaziada não embarcou, em especial pelo desfecho surpresa, que é tão bom quanto o do original (sem o mesmo impacto, claro). Lembro que me surpreendeu muito na época e me deu esperanças de que tivessem continuações a partir dalí, mesmo dirigidas pelo Burton… Frustrante que nunca tenha rolado. Esse PLANETA DOS MACACOS acabou sendo seu último grande filme na minha opinião. Sei que nem todo mundo pensa assim, mas a partir daqui foi só ladeira abaixo. Não consigo gostar de quase nada que ele dirigiu depois, e o que gosto é com certa distância, com ressalvas (SWEENEY TODD, O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES e SOMBRAS DA NOITE). Já vi e revi vários e não me descem.

Mas PLANETA DOS MACACOS valeu a pena. Valeu na tela grande, na época do lançamento, pelas maquiagens, efeitos especiais, o elenco fantasiado de macacos e um senso de aventura bem legal, e valeu a pena rever agora pela primeira vez depois de tantos anos.

DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS (1970)

DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS (Beneath the Planet of the Apes) continua praticamente após a revelação icônica do primeiro filme. Taylor (Charlton Heston) e sua amiguinha, Nova (Linda Harrison), viajam para a Zona Proibida e o sujeito de alguma forma desaparece. Enquanto isso, outro astronauta, Brent (James Franciscus), pousa no planeta para encontrar Taylor. Mais tarde, ele aprenderá sobre a diferença entre os pacíficos chimpanzés – especialmente na figura de Cornelius (Roddy McDowall, no primeiro filme e David Watson neste segundo) e Zira (Kim Hunter) – e os violentos gorilas; encontrará as ruínas subterrâneas da cidade de Nova York (recriadas de forma impressionante); e vai se deparar com um grupo de mutantes que usa seus poderes psíquicos para controlar seus oponentes.

Na trama, acompanhamos essa jornada de Brent. Enquanto os gorilas estão decididos a irem à guerra com quem quer que viva na Zona Proibida. Há uma cena que faz referência à contracultura dos anos 60, com os pacíficos chimpanzés protestando contra os planos dos gorilas.

O filme também faz uma sátira interessante sobre a glorificação da guerra, por conta dos mutantes que adoram, literalmente, uma bomba nuclear chamada Alpha-Omega, com força para destruir o planeta inteiro. A sequência do culto à bomba, com palavras de adoração e cânticos ao artefato é tão ridícula, mas tão ridícula, que fica impossível pra mim não achar divertido.

O clímax de DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS ocorre nas ruínas da Catedral de São Patrício; depois de finalmente conseguirem atravessar as armadilhas ilusórias que sempre os afastaram, os gorilas furiosos simplesmente matam todos os mutantes que encontram pela frente.

Brent consegue encontrar Taylor e ambos acabam envolvidos no fogo cruzado. Nos últimos instantes, Brent leva uma saraivada de balas dos gorilas e Taylor… Bom, Charlton Heston teve uma única exigência quando retornou para esta sequência, a de que este seria o seu último filme na série, não queria saber de voltar para mais filmes de PLANETA DOS MACACOS. E os realizadores atenderam seu desejo da melhor maneira possível: no meio do tiroteio, Taylor pede ao Dr. Zaius (novamente interpretado por Maurice Evans) para que acabe com o derramamento de sangue, mas o orangotango se recusa, dizendo que o homem é responsável pela destruição de si mesmo. Em retaliação, o moribundo Taylor aperta o botão do Juízo Final e pimba, DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS termina com a narração:

Em uma das incontáveis bilhões de galáxias no universo, encontra-se uma estrela de tamanho médio, e um de seus satélites, um planeta verde e insignificante, agora está morto.

Mais uma vez, temos aquele clima de niilismo instaurado. Não há esperança e a destruição é simplesmente inevitável. Vindo em um momento em que o mundo estava em uma situação de crise constante – final dos anos 60, início dos 70 – DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS não oferece nenhum conforto. Também não é papel do cinema oferecer esse tipo de coisa, apesar de Hollywood ser mais inclinada à finais otimistas. O interessante da série de filmes d’O PLANETA DOS MACACOS é que a coisa é exatamente o oposto disso. Pelo menos os dois primeiros…

Desta vez, a direção ficou sob a responsa de Ted Post. Bom artesão, diretor do tipo “pistoleiro de aluguel”: atira bem, mas não deixa nenhum rastro. Mas fez um dos melhores filmes da série Dirty Harry, MAGNUM 44. As cenas de ação se destacam – a fuga de Brent lutando contra um gorila em cima de uma carruagem em movimento; o sangrento confronto de Brent com Taylor numa cela, quando ambos estão sendo controlados mentalmente pelos mutantes; todo o caos final… Pra esse tipo de coisa Post não decepciona.

Mas no fim das contas não é tão bom quanto ao original. Difícil se igualar, especialmente com a boa dose de momentos ridículos envolvendo os mutantes telepatas, mas ainda assim é bem divertido. Vou rever o terceiro filme, FUGA DO PLANETA DOS MACACOS (71), pra ver como se sai hoje em dia…

O PLANETA DOS MACACOS (1968)

Deve ser a milésima vez que assisto ao clássico O PLANETA DOS MACACOS (Planet of Apes) original, de Franklin J. Schaffner. Tinha gravado da TV num VHS nos anos 90 e quando era adolescente não me cansava de rever este e as continuações… Até hoje, se bobear, este aqui ainda é um dos meus sci-fi de cabeceira. Mas já fazia uns bons quinze anos que não revia… Continua uma belezura. As continuações eu não sei. Precisava rever pra lembrar.

Mas este primeiro foi considerado um dos filmes de ficção científica mais fortes e influentes de seu tempo, um fenômeno que além de desencadear as quatro sequências, gerou também uma série de TV, desenhos animados, toneladas de memorabilia, parodiado até pelos Trapalhões no clássico O TRAPALHÃO NO PLANALTO DOS MACACOS, de 76, dirigido pelo J. B. Tanko.

O filme foi baseado em um romance francês chamado La Planète des Singes, de Pierre Boulle, e produzido como o projeto de estimação Arthur P. Jacobs, que lutou durante anos para que o filme pudesse existir. Acabou produzindo todos os 5 filmes da série original. Para o roteiro, foi contratado o criador de The Twilight Zone, Rod Serling, e, como era seu modo habitual de adaptação, mudou muitos elementos do livro, incluindo a adição do icônico final… E se for parar pra pensar, até que as coisas meio que se desenrolam como um episódio prolongado de The Twilight Zone

A história começa no ano de 1973. Uma tripulação de astronautas liderada pelo Coronel George Taylor (Charlton Heston) cai em um planeta remoto depois de ficar em hipersono por 2.000 anos em uma expedição espacial. Uma vez fora da nave, os membros restantes da tripulação eventualmente tropeçam em uma sociedade na qual a evolução aparentemente se inverteu: os macacos são altamente inteligentes, pensam, falam, têm até sua própria hierarquia social. Os macacos assumiram o papel da espécie dominante, enquanto os humanos são “animais” irracionais.

Subjugado e temido por seus captores por ser o primeiro humano com o poder da fala, Taylor luta para escapar com a ajuda de dois simpáticos cientistas chimpanzés, Cornelius (Roddy McDowall) e Zira (Kim Hunter). Sua luta leva a um dos finais mais impactantes da história do cinema.

O PLANETA DOS MACACOS acaba sendo uma espécie de reflexo da turbulência que foi os anos 60 em vários sentidos. O filme ataca e satiriza várias questões dominantes na consciência pública – guerra fria, direitos civis, etc. Embora a alegoria pareça simplista hoje, ainda não prejudica o poder do filme.

Grande parte do sucesso de O PLANETA DOS MACACOS pode ser atribuída também ao prazer que traz aos olhos (os primeiros trinta minutos de filme são um espetáculo Fordiano das paisagens do deserto, dignas dos mais belos westerns), os elementos visuais, o surpreendente trabalho de design de produção, os cenários, a maquiagem de John Chambers, que muito mereceu seu prêmio especial da academia. Embora primitiva para os padrões atuais, a maquiagem dos macacos foi uma conquista incrível de sua época. A direção de Schaffner é bem segura e até ousada em alguns momentos, especialmente em sequências de ação, com bons movimentos e trabalho com os ângulos.

Os elogios também podem ir para algumas performances notáveis ​​dos atores-macacos. McDowall e Hunter brilham em seus aparelhos faciais, assim como Maurice Evans como um dos melhores vilões da ficção científica do período, Dr. Zaius. Já Charlton Heston está magistral, engole o cenário com sua presença física, com toda sua desenvoltura, realmente dá tudo de si. É uma dos meus desempenhos favoritos do homem…

Vale destacar também a presença de Bob Gunner (que é quase um sósia do Sean Connery) e Jeff Burton, os astronautas que sobrevivem na expedição, mas que não duram muito tempo no planeta. Dianne Stanley, a astronauta que morre ainda no hipersono só faz praticamente uma ponta… Seria interessante ver como seria se uma mulher tivesse a possibilidade de participar da aventura dos astronautas nos primeiros 30 minutos de filme. Mas acharam mais fácil eliminá-la logo de cara até porque há a cena da cachoeira na qual os atores ficam nus para nadar e acho que em 1967, 68, um filme comercial de ficção científica ainda não estava muito preparado para mostrar uma mulher nadando sem roupa com seus companheiros de trabalho… O que é uma pena. Mas ainda do lado feminino, destacamos a presença da Linda Harrison, como uma das nativas humanas e que voltaria no segundo filme.

Ainda sobre o final, com o personagem de Heston se deparando com a Estátua da Liberdade em uma praia deserta devorada pelo tempo, por mais óbvia a metáfora, acaba sendo dessas imagens marcantes que nunca vai sair do imaginário cinéfilo. Tão copiada e parodiada, até hoje impressiona. Imaginem então o público da época, que ainda vivia com o temor contínuo de uma guerra que envolvessem bombas nucleares. O filme acabou reverenciado e estudado por gerações por sua mensagem atemporal sobre a crueldade e destrutividade que reside na natureza humana. E esse final de O PLANETA DOS MACACOS sintetiza tudo isso.

Vou rever o segundo filme, DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS (70), pra ver como se sai hoje em dia…

TOMBSTONE (1993)

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Mais um daqueles filmes que faziam minha cabeça na pré-adolescência, no início anos 90, que devo ter visto na época umas duzentas vezes e que já fazia uns bons quinze anos que eu não revisitava e nem lembrava se era mesmo tão bom… Mas TOMBSTONE valeu muito a revisão que fiz esta semana. Baita western noventista com um dos elencos mais espetaculares que eu já vi! Curioso que já naquela época Hollywood lançava uns filmes em dose dupla sobre temas semelhantes quase ao mesmo tempo… E não tô falando de rip-offs picaretas e independentes, mas de super produções de grandes estúdios. Se hoje em dia temos um WHITE HOUSE DOWN e OLYMPUS HAS FALLEN lançados no mesmo ano, nos anos 90 tivemos ARMAGGEDON sendo lançado com IMPACTO PROFUNDO, ou VOLCANO e O INFERNO DE DANTE e até mesmo MARTE ATACA com INDEPENDENCE DAY… TOMBSTONE também não saiu ileso e quase teve que disputar bilheterias com WYATT EARP, lançado poucos meses depois.

Ambos os filmes tem como protagonista o lendário xerife Wyatt Earp, aqui interpretado por outra lenda, o grande Kurt Russell. Já WYATT EARP, dirigido pelo Lawrence Kasdan, tem Kevin Costner no papel do xerife e possui uma abordagem mais biográfica e historicamente enraizada, o que não quer dizer que não seja bom… Gosto dos dois, mas TOMBSTONE  é outra pegada, mais divertida, estilizada e com muito mais ação e um elenco de fazer cair o queixo. Numa comparação, digamos, esdrúxula, WYATT EARP seria um filme do John Ford, com um certo rigor e suntuosidade, enquanto TOMBSTONE é um equivalente aos descompromissados faroestes de matinée dos anos 40.

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O curioso é que o roteirista Kevin Jarre, que iniciou as filmagens também como diretor de TOMBSTONE, tinha planos bem mais ambiciosos para o filme. A sua ideia era fazer um estudo de personagem mais aprofundado, mas acabou despedido, seja lá por qual motivo, com um mês de trabalho e o filme tomou outros rumos. TOMBSTONE retrata o período em que Earp, seus irmãos (Bill Paxton e Sam Elliott) e suas mulheres se mudam para a cidade de Tombstone, no Arizona, para fazer uma nova vida e que não envolve o trabalho de xerife. O problema é que a cidade é encrenca e não demora muito Earp, seus irmãos e Doc Holliday (o grande e único Val Kilmer) marcham em slow motion rumo ao O.K. Corral para o provável mais famoso tiroteio da história americana… O filme ainda prossegue com a repercussão e as consequências explosivas desse fato, que trouxe algumas desgraças para Earp, mas também algum senso de ordem e justiça… Ou vingança… A eterna linha fina que separa as duas coisas.

O filme já seria totalmente assistível só pelos temas e a violência que surge a partir daí, mas temos ainda um elenco que é simplesmente de encher os olhos. Além de Russell, Paxton, Elliott e Kilmer, temos Powers Boothe, Michael Biehn, Charlton Heston, Stephen Lang, Thomas Haden Church, Billy Bob Thornton, Michael Rooker, Billy Zane e Frank Stallone! Além disso, Robert Mitchum é o narrador. Como não amar um filme desses?

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Mas o que torna TOMBSTONE realmente transcendental é a interação de Earp com o tuberculoso Doc Holliday. Qualquer momento em que esses dois cavalheiros dividem a tela é simplesmente sublime e engrandece a obra absurdamente. É quando se percebe o quão fascinantes e fortes são esses personagens… Tão opostos, ambos gigantes.

É facilmente o melhor desempenho da carreira de Kilmer e na minha opinião o melhor Doc Holliday do cinema, que me perdoem Victor Mature e Stacy Keach. Alguns dos melhores momentos de TOMBSTONE é marcado pela presença de Kilmer, seja abrindo a boca pra soltar alguma frase genial de efeito, seja em sequências como quando encara Michael Biehn pela primeira vez e demonstra sua agilidade com uma caneca de café, ou no duelo final entre eles. Mas especialmente nos seus últimos diálogos com Earp, que é capaz de fazer até o coração mais duro ficar amolecido… Mas é só inventar a velha desculpa do cisco no olho que ninguém vai se importar.

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Já Russell com seu Wyatt Earp não consegue chegar no mesmo nível de Kilmer, que está mesmo perfeito. Mas o sujeito também possui aqui alguns bons momentos e o bigode mais badass dos anos 90. Grande atuação do homem. É um casca-grossa total! Principalmente quando entra em ação e distribui tiros nas mais variadas formas, nos mais variados bandidos que entram em seu caminho.

Por falar em ação, eu poderia elogiar o trabalho do diretor George P. Cosmatos em algumas sequências, mas corro o risco de cometer injustiça. O Tiroteio no O.K. Corral ou o duelo entre Doc Holliday e Johnny Ringo (Biehn) são dignos de antologia do cinema de faroeste dos últimos trinta anos, mas quem realmente as dirigiu? Cosmatos é um diretor legal, fez RAMBO 2, COBRA, LEVIATHAN e ganhou os créditos por TOMBSTONE, mas em duas entrevistas não tão antigas, Kurt Russell afirma que assumiu a direção logo depois que Jarre foi demitido. Na verdade, em uma das ocasiões, Russell diz que dirigiu a grande maioria do filme e que o nome de Cosmatos nos créditos era apenas de fachada para fazer a produção correr bem… Enfim, puta trabalho do Russell como diretor, se for mesmo verdade…

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Eu havia citado Ford ali em cima. Sua versão de Wyatt Earp, com Henry Fonda vivendo o personagem, MY DARLING CLEMENTINE, é um belíssimo filme… O do Kasdan, como já disse, é outra adaptação que gosto bastante. Aliás, a história do famigerado xerife já foi para as telas diversas vezes. Até o Doc Holliday já ganhou filmes solos… No entanto, não tem jeito, tenho um carinho tão especial por TOMBSTONE que na minha opinião é o melhor exemplar tendo o velho Wyatt Earp como destaque… Pelo elenco magistral, especialmente a presença de Kilmer e Russell, pelas as cenas de ação incríveis, os diálogos afiados e o fator nostálgico, com os vários momentos marcantes que carrego desde a infância.

SOYLENT GREEN (1973), de Richard Fleischer

Ah! Os bons tempos em que a ficção científica era tratada no cinema de forma simples, criativa, reflexiva… pena que eu não era nem nascido na época, ou era muito novo já nos anos 80, mas tudo bem. Boa vontade para resgatar estes filmes é o que não falta.

No fim dos anos 60 e inicio dos 70 o cinemão americano ainda ia muito além do que uma simples diversão de fim de semana. Nesta mesma época as produções Sci Fi começaram a apostar com mais intensidade na vertente dos futuros sombrios, pessimistas e apocalípticos pós-nuclear com fortes mensagens políticas/sociais referente às possíveis conseqüências da Guerra Fria. Filmes como PLANETA DOS MACACOS e THE OMEGA MAN são bons exemplos que ilustram a maneira de recriar sem frescura estes universos. SOYLENT GREEN também entra na dança. E Todos que citei foram estrelados por Charlton Heston.
Após interpretar Moisés em OS 10 MANDAMENTOS, ganhar o Oscar por BEN HUR, interpretar o pintor renascentista Michelangelo em AGONIA E EXTASE e trabalhar com grandes diretores nos anos 60 como Sam Peckinpah, Anthony Man e Nicholas Ray, Charlton Heston decidiu mudar um pouco o tom de sua carreira, tornando, nos anos 70, um autêntico action man em filmes de ação, western, ficção científica e até em uma das superproduções que iniciaram o filão “filme catástrofe”, TERREMOTO. Mas principalmente as produções mais modestas deram ao sujeito uma brecha para que explorasse personagens curiosos e estranhos, como o Thorn de SOYLENT GREEN.

Baseado no romance Make Room! Make Room! de Harry Harrison, o filme transcorre no ano de 2022, em Nova York, onde 40 milhões de pessoas vivem abarrotadas pelas ruas como animais. Para piorar, o aquecimento global já atinge proporções absurdas e a escassez de alimentos e objetos comuns do dia a dia permeia sobre a população; o único alimento disponível é provido pela corporação Soylent, que distribui tabletinhos com cores e sabores diferentes. Mas o que faz mais sucesso com a moçada é o Soylent Verde, com seu sabor indefinido, mas com um valor nutritivo suficiente para a sobrevivência desta raça que conhecemos como humanos.
O problema é que até mesmo os produtos Soylent estão começando a faltar para a população, e estes, insatisfeitos, iniciam frequentes motins contra o sistema a cada distribuição mal feita. Em uma dessas sequências, é mostrado como a polícia resolve este pequeno probleminha habitual. Basta alguns caminhões com carregadores de areia de trator acoplados à frente para retirar as pessoas da multidão enfurecida como se fossem, realmente, grãos de areia. Sensacional!
E onde o Charlton Heston entra nessa estória toda? Bom, a trama de SOYLENT GREEN é estruturada como um filme policial, com direito a investigações e etc, apenas enquadrada neste contexto futurista. Thorn é um oficial da lei que, com a ajuda de seu velho amigo Sol (Edward G. Robinson em seu ultimo papel no cinema) com quem divide o apartamento, tenta resolver o caso do brutal assassinato de um alto executivo da multinacional Soylent, mas a cada descoberta, o sujeito se depara com um segredo terrível envolvendo a fórmula de fabricação do Soylent Verde… qual será o segredo da receita? Eu não vou contar, mas depois que eu descobri, perdi o apetite…
Umas dos melhores detalhes do filme é a composição de Thorn. Ele é praticamente um policial meio depravado pelas circunstancias da qual o mundo se encontra. Quando entra na casa do milionário assassinado, no local do crime, Thorn começa a ver objetos simples que nunca havia visto antes – e aproveita para roubá-los e levar para o seu amigo Sol (que chora ao ver alguns itens que imaginava nunca ver novamente) – como sabonete, whisky, um pedaço de bife, extremamente raro, entre outras coisas. É preciso ver a expressão de prazer de Heston quando seu personagem lava o rosto numa torneira de água corrente e quentinha. Algo praticamente impossível de se fazer em condições cotidianas. São vários os detalhes que ajudam a compor o personagem e definem o futuro apresentado.
Além de Heston e Robinson, temos no elenco o veterano Joseph Cotten em uma pequena participação como o milionário assassinado e Chuck Connors como seu guarda costa e uma pedra no sapato de Thorn. Mas Robinson, bastante velhinho e ciente que a morte se aproximava (morreu pouco tempo depois que as filmagens foram finalizadas), é quem rouba o filme. A cena onde ele vai para “A Casa”, uma espécie de clínica onde as pessoas desfrutam de alguns minutos de paz e logo depois recebem uma morte boa e tranqüila é belíssima e impossível não se emocionar. Uma despedida à altura do grande trabalho que Robinson prestou ao cinema como ator.
A direção é de Richard Fleischer, legítimo autor do cinema de gênero americano e não um empregado de estúdio como muitos o subestimam, infelizmente. SOYLENT GREEN é um dos seus maiores exercícios de criatividade. Com poucos elementos e a decoração retrô dos anos setenta, deu uma visão de futuro apocalíptico muito mais convincente que a maioria dos filmes atuais cujos executivos dos estúdios preferem gastar rios de dinheiro para criar universos artificiais em computação gráfica (claro que naquela época não existia CGI, então os realizadores tinham que botar a cuca pra funcionar mesmo).

E para deixar a coisa ainda mais interessante, porque eu não sou de ferro, Fleischer arruma uma forma de relacionar toda o pensamento sobre o futuro da humanidade com boas doses de cenas de ação ao estilo seco e sem firulas da época.
Mas quanto a “mensagem” geral e profundamente reflexiva de SOYLENT GREEN sobre este futuro negro que o filme apresenta, eu parei para pensar e interpretar todos os elementos e acabei chegando na seguinte conclusão (e estou aberto a discussão): contanto que eu seja um dos milionários que come filé mignon em uma cobertura de luxo, a humanidade pode seguir comendo seus tabletinhos tranquilamente. Caso contrário, a vida seria uma merda!