MORTAL KOMBAT no Cine Poeira

O episódio desta semana do CINE POEIRA é sobre esse clássico absoluto da infância de muitos que acompanham o podcast e o blog. Dos amantes de filmes de artes marciais aos fãs de video games que perdiam um bom tempo (e dinheiro da padaria) nos fliperamas da cidade ou nos Super Nintendos e Mega Drives de suas casas. Estamos falando da adaptação cinematográfica de MORTAL KOMBAT (1995), um dos jogos fundamentais da rapaziada nos anos 90 e um dos filmes de ação/fantasia/pancadaria dos mais legais que surgiram no período. Discutimos todos os detalhes do filme e também da divisão de opiniões que se tem sobre o seu diretor, Paul W. S. Anderson (RESIDENT EVIL).

Para ouvir, é só procurar o CINE POEIRA no seu tocador de podcast favorito ou basta dar o play abaixo:

PLANETA DOS MACACOS (2001)

Recentemente, antes de ficar quase dois meses sem postar nada por aqui (esses últimos meses de 2020 estão fodas), me aventurei a peregrinar a série de filmes PLANETA DOS MACACOS. Escrevi sobre os cinco filmes clássicos, mas fiquei devendo os mais recentes que foram surgindo ao longo das décadas… Nos últimos anos até apareceu uma nova trilogia, cujo último filme eu nem cheguei a ver. Mas dessas refilmagens/reimaginações/continuações, o que eu realmente aprecio, apesar da fama ruim que possui, é o PLANETA DOS MACACOS de 2001, dirigido pelo Tim Burton.

A história não é exatamente igual a do original de 1968. Tim Burton chamou de “reimaginação” da mesma história (lembrando que o original é baseado no romance La Planète des Singes, de Pierre Boulle). Neste PLANETA DOS MACACOS também temos um astronauta americano caindo num estranho planeta onde humanos são a sub-espécie escravizada por uma população de macacos tiranos e militarizados. A nave de Leo Davidson (Mark Wahlberg) cai no planeta depois de sair de uma tempestade magnética durante uma busca mal sucedida a um simpático chimpanzé utilizado como cobaia em missão de reconhecimento. Com a sua experiência “avançada”, Davidson será o líder de uma revolução contra os símios, tendo como aliados um grupo de humanos primitivos, mas que já falam um bom e velho inglês para se comunicar, diferente dos humanos dos primeiros filmes originais. Há também dois macacos “progressistas” na luta pela igualdade entre as espécies. Um deles interpretado pelo grande Cary-Hiroyuki Tagawa, o Yoshida, vilão de MASSACRE NO BAIRRO JAPONÊS.

O elenco, aliás, é um dos principais destaques do filme: Helena Bonham Carter, Paul Giamatti, Michael Clarke Duncan, Kris Kristofferson, até Charlton Heston, o astro do filme original, aparece. Desta vez maquiado de macaco. Quem rouba a atenção de todos, no entanto, é Tim Roth como General Thade, um chimpanzé militar sádico, comandante do exército que quer ter controle sobre a civilização dos macacos, numa atuação entre o exagero e a expressividade aterradora que eu curto bastante.

Wahlberg é tecnicamente o protagonista de PLANETA DOS MACACOS, mas além desse baita elenco povoando o filme, as verdadeiras estrelas aqui são as maravilhosas criações de Rick Baker, um dos maiores maquiadores de Hollywood. E até hoje, passados praticamente vinte anos do lançamento, o resultado por aqui ainda é de impressionar. Ao contrário do original, os movimentos dos personagens macacos, seus maneirismos e até expressões faciais são muito mais parecidos com os de símios reais. Lembro que foi bastante divulgado na época que o treinamento corporal dos atores para recriarem os movimentos de macacos foi um trabalho árduo. Mas o resultado na tela chama a atenção. Especialmente porque Burton se preocupa bastante em explorar detalhes cotidianos dos símios, que é uma das melhores coisas do filme.

Uma coisa que PLANETA DOS MACACOS de 1968 conseguiu, além de marcar toda uma época e dar início a uma franquia lucrativa com mais quatro filmes e duas séries de TV, foi de trazer à tona idéias pertinentes sobre o estado das coisas daquela época (ameaça nuclear, política, racismo). Visto por esse lado, essa versão de Tim Burton até tenta lançar um olhar sobre algumas destas questões, em especial sobre igualdades e o militarismo da era Bush, ou seja sobre a estupidez do militarismo; e nesse sentido, PLANETA DOS MACACOS não deixa de ser um filme político. Mas ao mesmo tempo não me parece muito interessado em se aprofundar em nada disso. Acaba se saindo mais como um divertido filme de ação/sci-fi, extremamente bem feito e com Burton dirigindo com consciência da responsabilidade que tem em mãos.

Quero dizer, o sujeito era um dos diretores mais interessantes de Hollywood na época e fica evidente do início ao fim a pressão que colocaram pra cima dele com essa “reimaginação”. Na própria mecânica do filme, na sua incapacidade de ousar, percebe-se que Burton não teve muito espaço para imprimir traço reconhecível do seu estilo, buscando respeitar o material original e não ferir os sentimentos das fanzocas da saga. PLANETA DOS MACACOS poderia ter sido dirigido por qualquer diretor competente do período que o produto final não seria muito diferente. Não tô dizendo que o filme é totalmente genérico, a mão do diretor para o tipo de aventura que ele cria aqui até carrega um bocado de sua assinatura, mas acredito que está bem longe do autorismo do sujeito que apropriou-se do universo de Batman e deu-lhe toda uma identidade pessoal. Esse Tim Burton, e o de ED WOOD, EDWARD MÃOS DE TESOURA, MARTE ATACA, A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA, é que não parece estar aqui.

Sinto um pouco disso no quesito “ação”, que resume-se basicamente a um corre-corre que não chega a empolgar muito. A batalha final e todo o ato que se desenrola a partir dali já desperta maior interesse… Chega a lembrar o Burton de antes. Mas, tirando esses detalhes de autorismo, o trabalho de Burton como artesão de estúdio é impecável, feito na medida para respeitar o filme de 68. Mas fico imaginando o que um Paul Verhoeven faria com esse material. Com certeza ia rolar uma “aproximação” mais íntima entre Wahlberg e a Bonham Carter de macaca que ia arregalar uns olhos. Seria genial. Por aqui, só um flerte distante, o máximo que Burton conseguiu…

De qualquer forma, é uma pena que boa parte do público não tenha curtido essa versão. É um filme divertido, mas que a rapaziada não embarcou, em especial pelo desfecho surpresa, que é tão bom quanto o do original (sem o mesmo impacto, claro). Lembro que me surpreendeu muito na época e me deu esperanças de que tivessem continuações a partir dalí, mesmo dirigidas pelo Burton… Frustrante que nunca tenha rolado. Esse PLANETA DOS MACACOS acabou sendo seu último grande filme na minha opinião. Sei que nem todo mundo pensa assim, mas a partir daqui foi só ladeira abaixo. Não consigo gostar de quase nada que ele dirigiu depois, e o que gosto é com certa distância, com ressalvas (SWEENEY TODD, O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES e SOMBRAS DA NOITE). Já vi e revi vários e não me descem.

Mas PLANETA DOS MACACOS valeu a pena. Valeu na tela grande, na época do lançamento, pelas maquiagens, efeitos especiais, o elenco fantasiado de macacos e um senso de aventura bem legal, e valeu a pena rever agora pela primeira vez depois de tantos anos.

MORTAL KOMBAT (1995)

bscap0147bscap0148

Depois de assistir a SHOPPING, filme de estreia de Paul W. S. Anderson que eu comentei aqui outro dia, coloquei como missão neste início de ano rever todos os filmes do diretor e, obviamente, conferir o que não assisti ainda. Tô cagando se o cara é mal visto em alguns círculos… Vou ver mesmo assim. Então me deparei já de cara com MORTAL KOMBAT, que é o segundo trabalho do sujeito. Nem me lembro da última vez que vi essa tralha, mas lá nos meus doze, treze anos, era um verdadeiro espetáculo! Não era assim um grande fã do jogo (preferia Street Fighter), mas dava os meus “Fatality” de vez em quando. Além disso, não perdia uma Sessão Kickboxer, na Band…Bons tempos… Como basicamente, no fim das contas, MORTAL KOMBAT não deixa de ser apenas um filme de luta, era o paraíso um garoto da minha idade deparar-se com uma obra desse quilate.

Mas estava ainda com receio de saber como seria assistir hoje… Na época do lançamento, me lembro do filme ser recebido por muitos como a grande adaptação de videogame para o cinema. Tá certo que a concorrência não era das melhores… o que é aquele filme do Super Mario? E não vou nem falar nada do STREET FIGHTER, com JCVD… O fato é que Paul W. S. Anderson e sua turma conseguiram realmente captar a essência do jogo e combinar com certa perspicácia dentro de uma linguagem de cinema tudo aquilo que um fã de MK poderia almejar. Scorpion dizendo: “Get over here!“, Sub Zero congelando pessoas, Shang Tsung dizendo “Flawless Victory!” e “Finish Him!“, Goro com seus quatro braços destroçando seus adversários, Johnny Cage deixando sua foto autografada após uma peleja, etc, etc, etc… Tá tudo aqui!

bscap0007

Portanto, revê-lo agora depois de tantos anos apenas confirmou a grande adaptação que é. Não que o resultado seja a oitava maravilha do universo do cinema… Longe disso, continua sendo uma tralha. Mas em termos de adaptação o filme merece seus elogios por conseguir manter os traços característicos do jogo na narrativa.

Além disso, é bem divertido como filme de fantasia e artes marciais. Algumas lutas são realmente bacanas, bem coreografadas e Anderson tem excelente noção de como utilizar os cenários, os espaços, na interação com os combates e os poderes dos personagens. Toda a sequência do confronto entre Cage e Scorpion, por exemplo, é de um cuidado que impressiona, tanto na manipulação dos ambientes quanto na encenação física, na trocação de socos e pontapés entre os personagens. De uma riqueza visual notável! A coisa começa em uma floresta conspícua e totalmente simétrica, com Scorpion lançando sua famosa “corrente” sobre o pobre Johnny, que não tem defesa, exceto fugir e arranjar uma solução para contra-atacar. Depois os dois são transportados a uma espécie de porão infernal onde o pau come de verdade… É disparado a melhor sequência de MK. É legal que em alguns momentos Anderson tenta realmente recriar os enquadramentos do jogo, o que torna tudo tão familiar e fascinante, como no confronto entre Liu Kang e Sub-Zero.

mortal-kombat-1995-fight

MORTAL KOMBAT possui boa produção, com efeitos especiais decentes para o período (a concepção do Goro é simplesmente incrível), exceto algumas cenas de CGI que já na época eram ridículas e acabaram ficando muito datadas. O elenco é muito bom, a maioria dos atores não são apenas competentes, como Robin Shou (Liu Kang) e Linden Ashby (Johnny Cage), mas também representações físicas bastante precisas de seus personagens no jogo. Destaque para Christopher Lambert como Raiden, cheio de gracinhas constrangedoras, mas que me racham de rir, e o grande e expressivo Cary-Hiroyuki Tagawa fazendo o feiticeiro Shang Tsung, sempre um deleite vê-lo como vilão. O elenco ainda tem Trevor Godard, como Kano, Bridgette Wilson fazendo Sonya Blade e Talisa Soto encarnando a Kitana.

Só acho uma pena a classificação PG-13 para a adaptação de um jogo que abusava da violência gráfica, dos famigerados “Fatality” sangrentos. MORTAL KOMBAT é bem limpinho e a violência é praticamente zero. Não estraga a diversão, mas para os fãs mais xiitas e admiradores de um gore, a coisa fica a desejar. O filme possui alguns outros problemas mais estruturais, o próprio fio condutor do entrecho, o torneio de lutas, é mal explicado, nunca sabemos quem luta com quem, onde e quando; há momentos que é numa arena com público, em outros parece que os lutadores estão num universo paralelo completamente sozinhos. Pode ser relevado, mas são coisas que poderiam ser melhor exploradas. E não vou entrar em muitos detalhes sobre a trilha sonora… Uma insuportável batida eletrônica que é simplesmente um horror…

mortal-kombat-raiden

Torto e falho em alguns pontos sim, mas MORTAL KOMBAT continua sem dúvida alguma uma das mais admiráveis adaptações de video-game para as telas de cinema e um competente exemplar de artes marciais dos anos 90, que envelheceu muito bem, dependendo do seu gosto pra esse tipo de filme… MK ainda teve mais duas continuações, mas esses eu não tenho coragem ainda de me aventurar tão cedo. Já tinha achado ruin na época e acho que não vai ser agora que vou mudar de opinião.