QUATRO FILMES DA SHAW BROS.

TEMPLO DA LOTUS VERMELHA
(Temple of the Red Lotus, 1965)
dir: Hung Hsu Teng

Sinopse: Jimmy Wang Yu interpreta um jovem espadachim que parte numa jornada de vingança, procurando os assassinos de seus pais, e também em busca de uma amiga de infância que foi prometida como sua noiva. Quando ele chega no local, descobre que a família da noiva pode ser um bando de bandidos e começa a investigar a história por trás da rivalidade que eles têm com os monges no Templo da Lótus Vermelha.

Primeiro filme wuxia em cores da Shaw Brothers, meio que inaugura uma era de ouro do cinema de kung fu da produtora, o que por essas razões históricas já seria recomendável pra quem realmente tem interesse a entrar de cabeça nesse cinema e perceber sua evolução.

Porque de resto TEMPLO DA LOTUS VERMELHA não é grandes coisas. O drama é fraco e pesado, tem pouca ação (e quando acontece é rápida, sem muita criatividade, acho que a coisa ainda viria a melhorar nos anos seguintes nesse departamento), a jornada do herói, vivido por Jimmy Wang Yu, soa um bocado enfadonha, sem graça – a longa sequência que ele tem que fugir do castelo com sua companheira, enfrentando irmã, tia, mãe e avó da moça, uma de cada vez, é bem ridícula e me fez soltar altos bocejos…

Mas não deixa de ser legal ver alguns rostos que viriam a fazer sucesso pela Shaw na década seguinte, como Lo Lieh e Tien Feng. Nos créditos ainda aparecem nomes como Liu Chia-Liang e Yuen Woo Ping.

O filme faz parte de uma trilogia, formada por ainda por AS ESPADAS GÊMEAS (65) e A ESPADA E O ALAÚDE (67) que em algum momento vou acabar assistindo. Todos dirigidos por Hung Hsu Teng, mas confesso que depois deste aqui fiquei com preguiça.

THE OATH OF DEATH (1971)
dir: Pao Hsueh-Li

Sinopse: Três heróis tornam-se irmãos de sangue para lutar contra a tirania dos invasores tártaros. Um deles decide se infiltrar entre os inimigos e acaba ganhando uma posição de destaque. Não demora muito, fica evidente que o sujeito gostou da posição de poder e está disposta a sacrificar qualquer coisa e qualquer pessoa para mantê-la, incluindo seus irmãos de sangue.

Um dos filmes mais curiosos que vi da Shaw Bros. Um exemplar de espadachim que se alterna entre uma trama melodramática levada muito a sério e um filme excêntrico de artes marciais, bem puxado para o exploitation, mostrando muito sangue e selvageria, mas também um bocado de sexo e nudez fornecida por Ling Ling uma das estrelas residentes da Shaw.

Pao Hsueh-Li pode até não ser um Chang Cheh – as lutas são filmadas muito de perto, editadas com desleixo em alguns momentos, sem muita preocupação com a coreografia – mas ele se dedica tanto a transformar essas sequências num banho de sangue que fica difícil não elogiar os esforços. E os contextos que as batalhas ocorrem, mais a variedade de armas utilizadas deixa tudo ainda mais divertido. Os trinta segundos finais, um duelo onde um dos personagens centrais tem uma perna decepada por um chicote (!!!) e continua lutando para enfiar o braço no peito adentro de seu adversário é um dos momentos mais insanos que já vi num filme da Shaw… Só não esperem uma abundância de lutas durante o filme, a parte dramática realmente toma um tempo grande de projeção, com situações do tipo “amigo roubando mulher de amigo” e etc… Mas se você entrar na história e chegar inteiro até os minutos finais, não vai se decepcionar.

No elenco, temos Lo Lieh fazendo papel de herói desta vez e o grande Tien Feng. Mas vale reparar na pequena participação de Bolo Yeung como um dos soldados malvados.

THE MAGIC BLADE (1976)
Dir: Chor Yuen

Sinopse: Dois espadachins rivais unem forças para evitar que uma lendária arma mortal, chamada Peacock Dart, caia nas mãos do mestre das artes marciais, Sr. Yu, e de seu malvado submundo do crime.

Esse aqui é daqueles filmes que beira a perfeição. Ti Lung com sua espada giratória é o fodão dos fodões. É o Clint Eastwood do Wuxia, numa jornada de sangue, honra, contra os ardis de uma sociedade secreta, na busca em trazer justiça ao mundo, sem qualquer recompensa de volta. É também uma jornada cheia de MacGuffin’s que o roteiro, um fiapo de história, faz brotar do nada só para fazer a ação continuar surgindo na tela. No caso, a busca pelo tal Peacock Dart, que não pode de jeito nenhum cair nas mãos do velho mestre das artes marciais que comanda uma sociedade de assassinos.

Estamos diante de um filme de espadachim da melhor qualidade possível. E a ação é maravilhosa, tem aos montes, a criatividade do diretor Chor Yuen parece não ter fim na elabroação dessas cenas e na relação que a ação estabelece com os espaços, os mais variados cenários, ambientes e locações, num belo trabalho de manipulação cênica. A sequência final é daquelas que parecem capazes de reproduzir o equilíbrio cósmico do universo!

Lo Lieh, e Lily Li estão no elenco, além de outras figuras… Enfim, pra quem entra na vibe de ver filmes de artes marciais da Shaw Bros. um atrás do outro, como eu tô fazendo neste início de ano, tudo o que pedimos é mais filmes como THE MAGIC BLADE, uma dessas experências raras de imaginação sublime e um senso de aventura fabuloso que já de cara se tornou um dos meus favoritos da Shaw.

EXECUTIONERS FROM SHAOLIN (1977)
Dir: Liu Chia-Liang

Sinopse: Chen Kuan Tai é o protagonista aqui, liderando os sobreviventes do massacre no Templo de Shaolin pelas mãos do sacerdote Pai Mei, encarnado pelo Lo Lieh. O grupo se disfarça numa trupe de artistas de ópera e entre suas viagens, Hung conhece Yung Chun (Lily Li). Os dois se casam e têm um filho, mas Hung acaba sendo morto depois de tentar se vingar do massacre no Templo encarando Pai Mei duas vezes ao longo dos anos. O filho deles, Wen Ding (Wong Yu), une então o kung-fu do Tigre de seu pai com o kung-fu da garça da mãe para enfrentar Pai Mei, que teve seu ponto fraco descoberto por Hung.

Como qualquer filme dirigido pelo grande Liu Chia-Liang, a pancadaria rola pra todo canto. Já começa com uma participação de Gordon Liu, que enfrenta uma vários soldados manchu para dar cobertura para o grupo de Hung. Mesmo cravado de flechas o sujeito dá trabalho. É curioso como tudo por aqui possui um controle sobrenatural das artes marciais: política, religião, família e até o sexo. Logo depois de se casarem, Chen Kuan Tai tem que se esforçar para abrir as pernas de Lily Li… E isso não é numa alegoria, ela literalmente usa técnicas de artes marcias para manter as pernas fechadas e só vai liberar se o marido conseguir “destravar” a moça! haha!

Um dos grandes destaques do filme é Pai Mei, um dos vilões mais desgraçados que Lo Lieh já viveu, com seu ponto fraco que possui relação temporal e muda de lugar no seu corpo à medida em que relógio avança. O cara é quase indestrutível… E ainda tem um lance bizarro dele esconder os testículos contraindo a barriga e prendendo o pé dos adversários entre as pernas! Sensacional! E sim, muita gente vai se lembrar de Pai Mei como o personagem que Quentin Tarantino colocou em Kill Bill para treinar Beatrix Kiddo. Mas quem já tá mais familiarizado com o cinema de kung fu sabe que o personagem existe faz teeempo…

Exibido nos cinemas nacionais como OS CARRASCOS DE SHAOLIN.

DUPLO IMPACTO (Double Impact, 1991)

bscap0296 (1)

Curioso pensar que Jean-Claude Van Damme, no auge da primeira fase de sua carreira, ainda estava na fissura de provar mais uma vez suas habilidades, não apenas como homem de ação badass, mas como um ator com certas qualidades dramáticas, antes de encarar super produções bancadas por grandes estúdios.

Não bastou LEÃO BRANCO, CYBORG e GARANTIA DE MORTE, filmes que o belga conseguia sair um pouco da zona de conforto e tentava desenvolver figuras diferentes umas das outras. Ou pelo menos encenava situações que exigissem mais de JCVD como ator dramático. Mas foi com DUPLO IMPACTO que essa ideia de deixar sua marca como um artista mais refinado, mesmo trabalhando em filmes de gênero, chega ao seu limite máximo. Definitivamente o filme mais desafiador de sua carreira até então, com o belga dividindo a tela e lutando lado a lado com seu ator favorito: ele mesmo.

Posteriormente, Van Damme interpretaria mais de um papel num mesmo filme, como RISCO MÁXIMO e REPLICANTE, mas nada parecido como encarnar os irmão gêmeos Chad e Alex. Inspirado no clássico da literatura Os Irmãos Corsos, de Alexandre Dumas, DUPLO IMPACTO é sobre esses dois irmãos, separados com seis meses de vida, que se reúnem depois de vinte e cinco anos para encher qualquer meliante que entre em seus caminhos de tiro, porrada e bomba em prol de uma vingança contra os assassinos de seus pais.

A trama mesmo não tem lá muita importância, é mera rotina para o desenvolvimento das duas práticas que realmente valem em DUPLO IMPACTO, que são as sequências de ação e a construção dos dois personagens centrais, ambos interpretados por Van Damm, e como o sujeito consegue lidar com esse empreendimento. Nos dois polos, o filme se sai de maneira brilhante.

Van Damme nunca esteve tão envolvido num projeto como em DUPLO IMPACTO. Concebeu a história, e vejam só, inspirado em literatura clássica; escreveu o roteiro (juntamente com o diretor Sheldon Lettich); dirigiu as cenas de ação; e teve a ousadia de interpretar dois personagens totalmente diferentes, que em certas ocasiões interagem entre si. E por mais difícil que se possa acreditar, Van Damme convence. Por isso enfatizo que se a ação é crucial em DUPLO IMPACTO, o mesmo tem de ser dito sobre a performance de JCVD.

Na trama, Chad foi criado num orfanato de freiras francesas em Hong Kong (motivo pelo qual possui sotaque francês) e cresceu nas ruas, envolvido com criminosos, calejado desde cedo com as dificuldade da vida dura. O outro, Alex, é mais sensível e inocente. Conseguiu ser levado pelo guarda-costas de seus pais, Frank (Geoffrey Lewis) para a França (mais uma explicação para o sotaque) e depois foram para L.A. montar uma academia, onde dá aulas de ginástica e karatê. Um sujeito que nunca teve que arregaçar as mangas e teve certos privilégios. Personalidade e caráter opostos, mas numa dessas coincidências amadas pelos fãs do gênero, a única coisa que ambos têm em comum é o talento em artes marciais.

E ao rever o filme recentemente, meu cérebro entrou em colapso e tive sérias dúvidas se Van Damme, na construção de ambas personagens, não teria estudado o famoso método de Stanislávski e se tornado ator da mesma estirpe de um Marlon Brando e Paul Newman. Basta observar a sutileza do olhar, das expressões, o comportamento em cena quando encarna Alex, ou o jeito grosseiro na representação de Chad… E você realmente acredita que há dois JCVD’s no filme.

Mas não vamos esquecer que DUPLO IMPACTO é um filme de ação. E é importante também para JCVD mais a capacidade de encarar Bolo Yeung num “mano a mano” do que demonstrar seus sentimentos diante de seu irmão gêmeo – o que na verdade o faz com incríveis resultados, como quando Chad pensa que sua namorada está pulando a cerca com Alex e, num frenesi de ódio, enche a cara e quebra tudo o que vê pela frente, numa atuação digna de um Leão de Ouro em Veneza. Mas quando o sujeito têm que espreitar por trás de um inimigo e quebrar seu pescoço sem chamar a atenção de outros bandidos, aí, meus caros, Van Damme é pura poesia…

O sujeito nunca esteve tão bem em frente às câmeras. Há uma sequência em que Chad tira um guarda de circulação e percebe a chegada de outros. Ele pega uma pistola em câmera lenta, enquanto seus adversários chegam atirando com metralhadoras, que obviamente nunca vão acertar o nosso herói, só para que o ele ainda em slow motion, faça uma pose cinematográfica, enrijeça seus músculos do braço e comece a atirar precisamente em cada bandido. Uma coisa linda para os fãs, mas que daria um autêntica úlcera aos cinéfilos que frequentam espaços culturais e cinemas “de arte”.

A ação do filme é simplesmente espetacular, com a classe e objetividade formal que esse tipo de cena merece. E a direção de Sheldon Lettich, que já havia dirigido Van Damme em LEÃO BRANCO, é muito energética. Alguns tiroteios são inspirações óbvias do cinema de Hong Kong, com Chad empunhando duas pistolas em trocas de tiros frenéticos. Curioso que a primeira escolha para a direção do filme era Albert Pyun, que também já tinha trabalhado com Van Damme, em CYBORG. Embora seja um hábil diretor de ação, sua pegada é bem diferente, abstracionista e experimental… Talvez DUPLO IMPACTO hoje fosse um objeto de arte nas mãos de Pyun. Seria demais para o meu coração. Então é melhor deixar como está.

As sequências de luta em DUPLO IMPACTO podem não ter uma coreografia de encher os olhos, mas a maioria são realizadas em contextos e cenários que deixam tudo mais tenso e emocionante. Algumas até possuem boas sacadas visuais, como a que Chad enfrenta um sujeito na penumbra, num excelente trabalho atmosférico de fotografia e jogo de sombras.

DUPLO IMPACTO deve ser o filme de Van Damme com a maior galeria de vilões interessantes amontoados numa mesma história. São dois cabeças do crime, responsáveis pela morte dos pais dos gêmeos, vividos por Alan Scarfe e Philip Chan, mas também seus capangas: uma mulher musculosa cuja chave de perna seria capaz de estraçalhar uma laringe; há um sujeito que usa botas com esporas e mata suas vítimas com chutes que rasgam o pescoço do infeliz; e a cereja do bolo… er… que é literalmente o Bolo Yeung, uma escolha pessoal do próprio Van Damme para compor o elenco. Os dois ficaram amigos íntimos depois de contracenarem em O GRANDE DRAGÃO BRANCO.

Vale destacar ainda no elenco o grande Geoffrey Lewis, que consegue, no meio desse monte de brucutus, ser um dos personagens mais badasses de DUPLO IMPACTO. A sequência inicial em que salva os gêmeos da execução é um primor. E também Alonna Shaw, que faz a namorada de Chad e oferece alguns dos momentos mais calientes do filme.

É verdade que em termos narrativos, não há nada de novo para se ver aqui. Trata-se de mais um filme de ação do período como outro qualquer nesse sentido. O que não deixa de ser um ótimo exemplar do gênero com o suficiente para uma agradável sessão num domingo à tarde acompanhado de uma cerveja bem gelada. No entanto, DUPLO IMPACTO é bem mais que isso. Algumas situações mais movimentadas são realmente criativas e pensadas para se tornarem antológicas. E conseguem facilmente essa proeza, ou quem viu o filme quando era moleque esquece do épico confronto entre Van Damme e Bolo Young? Além disso, temos o fator Van Damme em dose dupla, que eu, particularmente, considero seu melhor desempenho. Seja no esforço para construir dois personagens opostos, seja nas sequências de ação com seu singular “cinema corpo”, seja usando uma calça legging atochada no rabo fazendo espacate diante de várias garotas… Um clássico.

O GRANDE DRAGÃO BRANCO (Bloodsport, 1988)

bscap0042

O que seria dos filmes de luta no ocidente sem O GRANDE DRAGÃO BRANCO? Não sei, mas cada vez que assisto a essa belezinha, mais me convenço do óbvio, de que se trata de um dos clássicos mais influentes do cinema de artes marciais feito nos lados de cá. Já devo ter assistido umas quinhentas vezes e como acho que esse número não é suficiente, esta semana resolvi rever mais uma vez pra não perder o costume. Continua  a coisa linda de sempre e um dos melhores veículos de Jean-Claude Van Damme.

Tá certo que nem o acho o filme uma obra-prima, a qualidade de algumas lutas são questionáveis, a maioria das atuações são constrangedoras e impera expressões faciais hilariantes, como a da imagem que abre o post; mas é pelo nível de entretenimento, pela sensação nostálgica, por várias cenas definitivas para o gênero e que marcaram uma geração que O GRANDE DRAGÃO BRANCO permanece com o mesmo frescor, com a mesma grandeza de quando assisti pela primeira vez.

bscap0003

Se você, sei lá, esteve em Marte nos últimos quarenta anos e nunca ouviu falar de O GRANDE DRAGÃO BRANCO, então presta a atenção. Produzido pela famigerada Cannon Films, e dirigido por Newt Arnold, trata-se do filme que colocou Jean-Claude Van Damme definitivamente no mapa. A sua participação em NO RETREAT NO SURRENDER e BLACK EAGLE são bacanas e os filmes crescem justamente por sua presença, mas foi aqui que o mundo todo conheceu o belga que dava chutes rodados no ar e fazia espacate em todas as oportunidades possíveis.

bscap0029

A trama é baseada, alegadamente, na história real do verdadeiro Frank Dux, um especialista em artes marciais americano que criou uma técnica de luta própria, chamada Dux FASST (Focus-Action-Skill-Strategy-Tactics) e até trabalhou no cinema como coreógrafo em filmes de porrada. Um dos pontos principais de sua biografia foi participar do lendário e ilegal torneio de artes marciais chamado Kumite, sendo o primeiro americano a vencê-lo. Tudo bem que há pessoas que contestam suas façanhas, dizendo que o troféu que o sujeito afirma ter ganho foi comprado numa loja da sua cidade… Mas quem sou eu pra desmentir?

Enfim, O GRANDE DRAGÃO BRANCO relata justamente o período em que Dux participou do Kumite e Van Damme é quem assume a responsa de encarnar a figura. Na trama, Dux dá uma escapulida das forças armadas americana, visita seu antigo mestre – com direito a um flashback que mostra seu treinamento ainda jovem – e parte até Hong Kong para participar do torneio, no qual diz a lenda que ferimentos graves e até mesmo resultados letais eram permitidos.

bscap0040

No local, além de encarar seus oponentes no tatame, Dux faz amizade com um lutador americano chamado Ray Jackson (Donald Gibb), come a jornalista gostosa obstinada por fazer uma reportagem sobre o Kumite e ainda tem que fugir de dois agentes americanos (um deles vivido por Forest Whitaker em início de carreira) que têm a missão de impedir que Dux participe da competição, já que o exército não quer que seu valioso material humano se machuque nessa brincadeira.

É evidente que o que desperta a atenção no filme num primeiro momento só poderia ser mesmo o torneio, os confrontos dos mais variados lutadores, a escala de combates que Dux precisa fazer para se tornar campeão. No entanto, confesso que não acho as cenas de luta por aqui aqui tão especiais. Há filmes com pancadaria bem mais elaboradas e brutais e até mesmo o Van Damme já protagonizou cenas de porrada mais espetaculares em outras ocasiões, com outros diretores.

bscap0044

Na verdade, não é que as lutas sejam ruins e há algumas que realmente merecem estar no panteão de filmes de torneio de artes marciais americanos. Acho sensacional que o próprio Frank Dux da vida real tenha elaborado a coreografia das lutas de O GRANDE DRAGÃO BRANCO e é curioso que o sujeito achou que Van Damme não estava preparado fisicamente para encarar o desafio de vivê-lo no cinema e o colocou num treinamento barra pesada intensivo durante três meses, os quais o próprio JCVD disse ter sido o treinamento mais duro que já fez na vida. Valeu a pena, porque é justamente o belga que protagoniza as melhores cenas de ação.

bscap0063

Sobre o diretor, antes de dirigir O GRANDE DRAGÃO BRANCO, Newt Arnold havia feito apenas dois obscuros filmes de horror, sendo que o segundo, BLOOD THIRST, é 1971. Ou seja, quase duas décadas separam seu último trabalho como diretor e este aqui. Por outro lado, Arnold foi assistente de uma boa safra de diretores fodões, como Sam Peckinpah, Francis F. Coppola, William Friedkin e John McTiernan, portanto é um cara que sabia o que tava fazendo. E em termos de direção, enquadramentos e ritmo, o sujeito manda bem, as lutas tem boa energia. Se não chegam num nivel espetacular, ao menos são diretas, cruas e encenadas com competencia.

Ajuda muito a excentricidade de reunir os mais variados estilos de artes marciais e os mais bizarros representantes de cada modalidade para trocarem chutes e socos num torneio. Basta a montagem de treinamentos na abertura para garantir ao espectador que o dinheiro do ingresso foi bem gasto e ele vai ser recompensado com a exibição de uma vasta gama de estilos e métodos de treinamento, de um lutador de Sumo para um sujeito que luta Capoeira passando por mestres Kung Fu e até um cara que treina quebrando côcos em cima de uma árvore. É o estereótipo do estereótipo, mas que nuca perde sua graça até pelo pioneirismo da coisa. Michel Qissi marca presença, alguns anos mais tarde faria um desafeto de JCVD, Tong Po, no ótimo KICKBOXER. E temos o cruel Chong Li (Bolo Yeung), que surge quebrando blocos de gelo com pontapés.

bscap0047

No elenco, Van Damme aproveita como pode a oportunidade neste seu primeiro filme como protagonista. O sujeito esbanja carisma, demonstra boa presença nas sequências de luta, e, claro, não dá pra exigir dele uma interpretação de Hamlet, mas ensaia algumas situações dramáticas, como quando seu amigo Ray Jackson é destroçado por Chong Li e Van Damme vaga de metrô, fazendo expressões faciais preocupadas. Ou fazendo espacate numa varanda com vista para a cidade. Aliás, o espacate é uma das marcas registradas de JCVD em quase todos os seus filmes. Mas aqui o sujeito exagera da posição de 180º das pernas… O cara tem as pernas esticadas pelo seu mestre, depois faz espacate pra se preparar antes do torneio começar no quarto de hotel, espacate para acertar um murro nas partes baixas do lutador de sumô, espacate quando seu amigo vai parar no hospital… Haja tendões…

bscap0030

Você deveria parar de fazer isso se um dia quiser ser pai…

Uma das coisas que mais curto em O GRANDE DRAGÃO BRANCO é a relação de Dux com Ray Jackson. A introdução do grandalhão americano é engraçada, com o sujeito entrando no mesmo ônibus de Dux em Hong Kong, flertando meio abusivamente com uma mocinha. A gente logo pensa que ele vai ser um desses bullies que Van Damme precisará dar uma surra, mas acaba se revelando o cara mais gente boa do mundo e o melhor amigo do protagonista.

bscap0015bscap0016

E Bolo Young é desses caras que convence ser imbatível e que realmente poderia matar um sujeito com as próprias mãos num torneio desses. Tirando o fato que não há qualquer profundidade no persoangem, só está lá pra servir de lutador desumano e impiedoso, ele o faz com a máxima perfeição. Chong Li é simplesmente um dos maiores ícones do cinema de luta americano. Young voltaria a encarar JCVD no fenomenal DUPLO IMPACTO!

Alguns momentos de O GRANDE DRAGÃO BRANCO merecem o devido destaque. Quem assiste ao filme nunca esquece da cena em que Dux demonstra o “toque da morte” quebrando o último tijolo de uma pilha.

bscap0026bscap0027bscap0028

E o melhor vem logo depois, com a notória reação de Chong Li: “Muito bom, mas tijolo não revida!“. Porra, são momentos assim que transformam um filme desses num clássico!

Temos também a divertida sequência musical na qual Dux corre pelas ruas de Hong Kong fugindo da dupla de agentes. Por falar em música, tudo é muito datado para os padrões atuais, mas para um 80’s music lover como eu é sempre um charme a mais. Toda a sequência do treinamento do jovem Frank Dux com seu Shidoshi, vivido por Roy Chiao, também merece atenção, além do grande confronto final entre Dux e Chong Li, que se não é um primor em termos de ação, ao menos tem boas sacadas e Van Damme consegue dar o seu show de exibicionismo composto de socos, pontapés, voadoras e chutes rodados… Não é a toa que foi instantaneamente alçado ao status de astro.

bscap0061

O GRANDE DRAGÃO BRANCO até pode ter seus problemas, nem acho que seja o melhor veículo de JCVD, mas é uma obra de extrema importância para os amantes de filmes de luta e que possui todos os elementos que tornam um filme num clássico atemporal. O roteiro de Sheldon Lettich (que depois viria a dirigir JCVD em LEÃO BRANCO, DUPLO IMPACTO, THE ORDER  e THE HARD CORPS) trouxe à tona toda a estrutura para o estilo de filmes de torneio e praticamente inaugurou o subgênero Kickboxing no Ocidente, que fez a alegria da moçada nos anos noventa, gerando um milhão de copiadores incluindo três sequências estrelando Daniel Bernhardt, dos quais nunca assisti. Mas acima de tudo, O GRANDE DRAGÃO BRANCO é um filme que diverte em todos os sentidos possíveis. e diverte pra CARALHO! Ainda vou rever muitas vezes durante a vida e tenho a total certeza de que a cada revisão vou estampar um grande sorriso do início ao fim.