A GRANDE PAIXÃO (1945)

csk9mE

O diretor Anthony Mann, ainda jovem na época que realizou A GRANDE PAIXÃO (The Great Flamarion), com apenas algumas pequenas produções no currículo hoje praticamente esquecidas, vai se sair melhor com os film noir na segunda metade da década de 40, com algumas jóias que o tornarão um dos mestres do gênero, antes de se debruçar sobre o Western nos anos 50. Mas em A GRANDE PAIXÃO o sujeito já começa a demonstrar traços de maestria, mesmo que não seja exatamente um grande filme, mas que vale uma conferida aos interessados em descobrir umas velharias. Conta uma dessas histórias clássicas encontradas em muitos film noir da época: Sujeito com um trauma amoroso se apaixona por uma jovem mulher com o rosto de um anjo e acaba sendo levado a um jogo de sedução e morte. Por aqui, o grande Erich Von Stroheim interpreta esse sujeito, também conhecido como “o grande Flamarion”, um franco-atirador, que se apresenta num espetáculo teatral de sucesso em que utiliza suas habilidades de pontaria para impressionar o público.

bmCEv5

E só pela presença de Stroheim como protagonista já algo a se considerar. É o destaque de A GRANDE PAIXÃO. O amaldiçoado cineasta, que se tornou um coadjuvante solicitado em Hollywood e na França, tem aqui uma rara oportunidade para explorar seu talento num personagem central. Aparece na primeira parte do filme com seu habitual caráter durão e carrancudo, que descobrimos vir de uma vida dedicada ao militarismo, mas aos poucos sua armadura racha, revelando uma personalidade frágil. Acho que Von Stroheim nunca foi tão exposto quanto neste filme. No elenco ainda temos Mary Beth Hughes, que se esforça para ser a femme fatale que destroça o coração do grande Flamarion, e Dan Duryea fazendo um marido traído, sempre excelente neste tipo de papel menor.

A3mtWe

Embora curtinho – a duração não chega a 80 minutos – A GRANDE PAIXÃO sofre de um momento ou outro mais desigual, mas chama a atenção ainda a maneira como Anthony Mann filma e resolve as coisas visualmente em alguns instantes mais inspirados. A sequência de abertura é marcante: a câmera flutuando para o interior de um teatro enquanto um tiro é disparado atrás do palco e o pânico varre o local. Daí, vemos um vulto esgueirando-se pelos corredores, para refugiar-se nos bastidores do cenário de onde observa a chegada da polícia e as reações da multidão e dos artistas. O vulto é Von Stroheim e a maneira como Mann filma (e ilumina) essa figura e sua sombra, já é a marca de um grande diretor.

WINCHESTER 73 (1950)

js-winchester-73-1950

Quando estava assistindo ao novo 007 outro dia, em alguns momentos eu me lembrava de WINCHESTER 73, que eu havia conferido um tempinho antes. Os dois não têm nada em comum, obviamente. Só que o primeiro me decepcionou um bocado por causa das cenas de ação e o segundo é praticamente uma aula de direção sobre o assunto. Um Western dos mais originais que eu já vi, dirigido pelo grande Anthony Mann e com o sempre competente James Stewart no elenco, vivendo um sujeito marcado pelo desejo de vingança, caçando o assassino de seu pai. O filme ainda tem em seu elenco Shelley Winters, além de Rock Hudson e Tony Curtis no início de suas carreiras.

Na trama, Stewart é um excelente atirador, mas seu oponente também não deixa a desejar, como é mostrado logo no início numa disputa de tiro ao alvo na festa de uma pequena cidade, cujo vencedor leva como premio a belíssima winchester que dá nome ao título. A grande sacada do roteiro é colocar a winchester como protagonista de uma jornada pelo oeste americano. O personagem de Stewart ganha o prêmio que disputou no início, mas logo em seguida sua recompensa é roubada e a arma vai passando nas mãos de bandidos, índios, cowboys, casacas azuis, em vários locais e situações, sempre causando sentimentos de cobiça e espalhando a morte como um verdadeiro personagem de carne e osso. A narrativa escolhe sempre acompanhar o caminho que a arma faz ao invés de seguir os atores de maneira definida. Acaba transformando-os em meros coadjuvantes.

A forma como Anthony Mann se preocupa com um projeto deste tipo demonstra uma segurança exemplar. O único outro filme do diretor que eu havia visto é Um Certo Capitão Lockhart, também com Stewart, e não tão bom quanto este aqui, mas vale a pena. Mann parece ser um desses diretores para se pegar a filmografia inteira e assistir tudo. Em WINCHESTER 73, ele transforma os planos mais simples ou pequenos movimentos de câmera em cinema puro, como no genial duelo final entre Stewart e seu oponente. Um dos grandes momentos do western, sem sombra de dúvida. Se for sempre assim, Mann corre o risco de se tornar um dos meus diretores de cabeceira.