HAWKS NOS ANOS 50

Depois de um pequeno descanso fora da cidade, longe de computador, voltamos à programação normal:

O RIO DA AVENTURA (The Big Sky, 1952)
Tenho quase certeza de que quando o Carlão Reichenbach falava da exuberância da aventura de Hawks, ele tava pensando em O RIO DA AVENTURA. O filme é basicamente um grupo de homens descendo um rio num barco, encarando perigos naturais, trocando tiros com índios, há cenas de homens puxando o barco com uma corda contra correnteza, fazendo catapulta com árvore para lançar um cervo morto do alto de uma montanha, praticamente remete a um filme do Herzog, muito antes do Herzog! Obviamente surgem também as subtramas hawksianas. A maior parte do interesse do filme está na relação entre Kirk Douglas e Dewey Martin, que traz um pouco a dinâmica entre Victor McLaglen e Robert Armstrong no filme mudo do diretor A GIRL IN EVERY PORT (1928), que comentei aqui no primeiro post que fiz dessa série. Belissimamente fotografado, O RIO DA AVENTURA tem todo um senso de épico, de uma aventura grandiosa, que é boa de acompanhar… Só achei mais longo do que precisava.

O INVENTOR DA MOCIDADE (Monkey Business, 1952)
Hawks volta ao Screwball comedy e um pouco ao seu clássico LEVADA DA BRECA, com Cary Grant mais uma vez interpretando um professor confuso lidando com percalços profissionais e românticos. Ele é um químico cujo chimpanzé de laboratório descobre uma poção da juventude, causando complicações para ele, sua esposa (Ginger Rogers), a secretária do laboratório (Marilyn Monroe) e seu chefe (Charles Coburn). Embora não seja tão bom quanto LEVADA DA BRECA, que é a obra-prima do Hawks no gênero, na minha opinião, ainda é extremamente divertido à sua maneira. Grant e Rogers, sozinhos ou juntos, sob o efeito da poção de rejuvenescimento em performances físicas incríveis, é simplesmente antológico. A abertura, com o próprio Hawks pedindo a Grant pra esperar mais um pouco pra entrar em cena, é um desses toques de mestre, que já me faz abrir um sorriso logo de cara, e que permanece até o fim.

OS HOMENS PREFEREM AS LOURAS (Gentlemen Prefer Blondes, 1953)
Divertida adaptação de um clássico da Broadway, sobre duas dançarinas (Marilyn Monroe e Jane Russell) que embarcam para Paris, onde a personagem de Monroe deve se casar com um jovem milionário. No caminho, elas conhecem um detetive particular contratado pelo pai do noivo para investigar se a moça está interessada apenas na fortuna. O filme todo é uma fantasia exagerada bem agradável sobre desejo de libertação feminina e homens como meros objetos. Algumas situações são realmente engraçadas e com números musicais muito bons. E é difícil desgrudar os olhos da dupla principal…

TERRA DOS FARAÓS (Land of the Pharaohs, 1955)
No antigo Egito, o faraó está obcecado em adquirir ouro e planeja levar tudo consigo para a “segunda vida”. Para isso, ele conta com a ajuda de um arquiteto cujo povo é escravizado no Egito. O acordo: construir uma tumba à prova de roubo, cheio de armadilhas secretas, e o seu povo será libertado. Durante os anos em que a pirâmide está sendo construída, uma princesa se torna a segunda esposa do faraó, que não tá muito a fim de deixar o sujeito levar seu tesouro com ele quando morrer… Primeiro e único filme que Hawks filma em CinemaScope. Fritz Lang dizia que o formato só servia pra filmar serpentes e funerais, então Hawks filmou uma serpente e um funeral por aqui. Mas ele não curtiu o resultado, disse, na entrevista com o Bogdanovich, que a tela larga tirava muito a atenção do público… Na verdade, Hawks não gosta de quase nada de TERRA DOS FARAÓS, fora algumas cenas isoladas. Bom, problema é dele. Na minha opinião, o que temos aqui é um dos trabalhos visuais mais poderosos de Hawks, que me ganha mesmo com a trama estranhamente estagnada, mas que consegue ser ao mesmo tempo atrativa e fascinante. Talvez seja um filme menor na obra geral de Hawks, um filme bizarro, nota-se claramente que o diretor tá fora de sua zona de conforto. Mas como filme de gênero, é uma pequena joia que merecia mais reconhecimento.

ONDE COMEÇA O INFERNO (Rio Bravo, 1959)
John Wayne, como o xerife, recusa a ajuda de “amadores bem-intencionados” (como resposta para MATAR OU MORRER, onde Gary Cooper mendiga ajuda o filme inteiro) e fica com um bêbado (Dean Martin), um jovem inexperiente (Rick Nelson) e um velho aleijado (Walter Brennan) para enfrentar um exército de bandidos – além, é claro, da clássica mulher Hawksiana em Angie Dickinson. No autêntico estilo de Hawks, com seus temas recorrentes de camaradagem masculina e profissionalismo em primeiro plano, a aliança improvável dá conta do recado. Hawks abandona um enredo definido e a abordagem épica de seu outro grande western, RIO VERMELHO, para um cenário mais confinado, uma história mais aberta, na qual vão se acumulando situações e arcos dramáticos (o estudo de alcoolismo que faz com o personagem de Martin é notável). São quatro anos que separam TERRA DOS FARAÓS de ONDE COMEÇA O INFERNO. Durante esse hiato, Hawks repensou seu cinema e o modo de o fazê-lo. E quando retornou, o resultado foi esta obra-prima, um filme testamento, um western definitivo e um dos trabalhos mais divertidos de sua carreira.

BIG BAD MAMA (1974)

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Uma daquelas pérolas que os anos 70 nos deu. Estamos no período da depressão americana, temos a Lei Seca, assalto à bancos, tiroteios à rodo com Tommy Gun’s cuspindo fogo e Angie Dickinson peladona! Precisa de mais alguma coisa para BIG BAD MAMA ficar melhor? Ah, claro, a presença hilária de Dick Miller numa produção do grande Roger Corman.

Naquele período, Corman começava a fazer dinheiro com pequenos gangster movies e resolveu apostar na anti-heroína Wilma McClatchie, a tal Big Bad Mama do título, vivida por Dickinson, e suas duas filhas espirituosas e sapecas, que embarcam numa jornada no mundo do crime, no qual estão sempre envolvidas em roubos, sequestros, perseguições, tiroteios, num road movie alucinante de ação e com vários personagens interessantes cruzando o caminho das três protagonistas. Como o ladrão de bancos encarnado por Tom Skerritt, o romântico jogador compulsivo na pele de William Shatner e o policial durão vivido por Miller, com suas expressões impagáveis, definitivamente uma das melhores coisas de BIG BAD MAMA. Sempre que está prestes a concluir sua missão de capturar Big Mama, algo dá errado e suas reações são, no mínimo, de rachar o bico! Não tem como não ser fã desse eterno coadjuvante…

A direção é de Steve Carver, que no ano seguinte fez outro filme ótimo do gênero para Corman: CAPONE, com Ben Gazzara no papel título. Dirigiu depois Chuck Norris pelo menos duas vezes, como o McQUADE – O LOBO SOLITÁTIO, que eu acho um filmaço! BIG BAD MAMA é o seu primeiro longa e já demonstra boa habilidade trabalhando muitas sequências de ação, um senso de humor bem equilibrado, mantendo as coisas num ritmo ágil e divertido… é claro que a pulsão sexual e a quantidade de nudez também ajudam, especialmente com as personagens das filhas (Susan Sennett e Robbie Lee) bem à vontade e Angie Dickinson, nos seus 43 anos, expondo seus atributos de deixar muita mulher de vinte com inveja.

BIG BAD MAMA recebeu o título A MULHER DA METRALHADORA aqui no Brasil e ganhou uma continuação nos anos 80, dirigido por outro pupilo de Corman, Jim Wynorski.

ESPECIAL DON SIEGEL #18: OS ASSASSINOS (The Killers,1964)

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por DANIEL VARGAS

A terceira adaptação do conto de Ernest Hemingway no cinema, (A primeira, um longa de 1946 de Robert Siodmak, e a segunda, o primeiro curta-metragem, de 1956, de Andrei Tarkovsky) esse OS ASSASSINOS de Don Siegel é, com certa facilidade, a melhor de todas. Originalmente era fruto para ser o primeiro de uma série de outros filmes para televisão chamada “Projeto 120”, mas foi considerado tão brutal que resolveram lançar para o cinema. O filme em momento algum tem medo de mostrar cenas gráficas de violência, contra mulheres inclusive. Chega a ser chocante até mesmo para quem o vê hoje. O fato do Siegel ter filmado em Scope também ajudou bastante.

O filme muda completamente o ponto de vista do original, colocando-o sob a perspectiva dos assassinos contratados para matar Johnny North (John Cassavetes), que chocados pela reação submissa diante à própria morte, não tentando escapar do seu destino por nenhum momento sequer, vão atrás da verdadeira história por trás daquele contrato. Eles acabam descobrindo que Johnny se envolveu em um roubo de 1 milhão de dólares, mas esse dinheiro acabou sumindo. Eles então vão atrás dos conhecidos do Johnny, um por um, para descobrirem de fato do porquê sua vítima não tentar fugir, quem os contratou para o serviço, e o paradeiro do dinheiro. Descobrem que Johnny se envolveu com Sheila Farr (Angie Dickinson), a namorada do mentor do plano, Jack Browling (Ronald Reagan, surpreendentemente bem).

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Vendo hoje, é quase impossível não enxergar a forte influência que esse filme exerceu sobre PULP FICTION. Toda a essência do filme em colocar a camaradagem (e química) entre os dois assassinos está lá. Enquanto Lee (Clu Gulager) faz a vez de Vincent Vega do Travolta, silencioso, intempestuoso, e sempre o mais disposto à atos violentos, Charlie Strom (Lee Marvin) fica com a essência do Jules, de Sam Jackson; o mais falante e intimidador, e realmente o cérebro da dupla, sempre pensando pelos dois. Sem falar que enquanto Lee parece estar no auge da sua “carreira” como criminoso, Charlie já tem um semblante amargo e esgotado, tentando justificar sua busca pelo dinheiro como sua “aposentadoria” garantida, e sair da vida de matança uma vez por todas.

O filme também parece tirar o melhor de cada integrante do elenco. Além de Ronald Reagan fazer a performance da sua vida (infelizmente iria se aposentar da carreira artística para se dedicar a política de vez logo depois), Angie Dickinson merece destaque exclusivo e está em seu esplendor como uma femme fatale (contra o tipo) que assim como todo o resto dos personagens, não parece ter qualidades redentoras nenhuma. Ela conhece e seduz o personagem do Cassavetes, e como uma boa e clássica femme fatale, o manipula com sexo e acaba com sua carreira como piloto de corrida, o obrigando a entrar no plano do assalto do seu igualmente inescrupuloso namorado. Sheila Farr é a perfeita Lady MacBeth, que demonstra simpatia para onde o vento estiver soprando. Cassavetes também está excelente como o pato arrogante da vez no gênero.

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OS ASSASSINOS é um grande “pulp” neo-noir, que parece sempre estar tentando se engrandecer, apesar do baixo custo de produção. Em um plano aéreo incrível vendo pessoas saindo de um hotel, descobrimos que estamos de fato diante de uma câmera subjetiva de um sniper que começa à atirar em seus alvos. Orçamentos à parte, é de fato, um grande filme. E o começo do melhor momento da carreira do Siegel.