INFILTRADO (2021)

Existem dois diretores Guy Ritchie na minha opinião, aquele que surgiu lá nos anos 90 como uma imitação britânica de Quentin Tarantino, fazendo crime movies envolvendo o univero da máfia e o submundo das gangues na Inglaterra, e temos aquele que pro final dos anos 2000 começou a fazer super produções sob a batuta de grandes estúdios. Não acho nenhum dos dois grandes diretores, mas o “primeiro” Guy Ritchie pelo menos me agrada, faz um trabalho bacana, rendendo uns filminhos divertidos como SNATCH, PORCOS E DIAMANTES, REVOLVER e, mesmo tendo Tarantino como influência óbvia, era autoral. Enquanto o “segundo” Guy Ritchie só entregou produtos genéricos e/ou medíocres como a franquia SHERLOCK HOLMES e REI ARTHUR (o seu ALLADIN eu não quis nem arriscar). A exceção talvez seja THE MAN FROM U.N.C.L.E., que é legalzinho.

INFILTRADO (Wrath of Man) é o novo trabalho do homem. Do, ainda bem, “primeiro” Guy Ritchie. O que não quer dizer que temos um filme genial ou algo parecido. Mas é um thriller de ação decente, pra sentar no sofá com os pés pra cima, tomando aquela coca-cola gelada enquanto assiste de boas… Trata-se do remake de um filme francês de 2004 chamado LE CONVOYEUR, que menciono só pela informação. Não vi, então nem me proponho a fazer comparações.

Aqui temos Jason Statham interpretando H, um homem que é contratado para dirigir carros-fortes cheios de dinheiro que estão constantemente sendo roubados. Ele posui um background violento que vai sendo revelado aos poucos no decorrer de uma narrativa cuja estrutura é toda costurada, cheio de flashbacks e personagens secundários, como é característico do diretor, mas para todos os efeitos é um filme mais centrado numa trama de vingança protagonizada pelo personagem de Statham. É também uma obra mais sombria e moralmente ambígua na maior parte do tempo, deixa de lado o humor peculiar pelo qual os filmes de Ritchie também são geralmente conhecidos.

A medida que INFILTRADO avança, a coisa vai ficando mais interessante, com algumas boas sequências de ação e um clima tenso que se constrói no último ato, uma sequência de assalto à central dos carros-fortes. Embora tenha um bocado de gordura que poderia ser eliminada e não acrescente nada ao gênero, é um filme sólido e que conseguiu ao menos me prender. Gosto do Statham, ainda que fazendo mais do mesmo por aqui, o elenco ainda tem Josh Hartnett, Holt McCallany, uma pequena participação de Andy Garcia e vários rostos reconhecíveis. O destaque vai para o filho do Clint, Scott Eastwood, que já provou que nunca vai chegar aos pés do pai, mas que em determinados tipos de papéis pode funcionar muito bem, como é o caso aqui.

Enfim, INFILTRADO tá longe de ser o meu favorito do diretor, mas fico feliz que aos poucos Guy Ritchie tem priorizado ser aquele “primeiro” diretor que mencionei lá em cima, fazendo esses filmes menores de ação e crime… Inclusive, seu trabalho anterior, THE GENTLEMEN, não é nada especial, mas também não foi nada mal. Claro que o primeiro estúdio que balançar uns milhões de dólares na sua frente o sujeito não vai resistir de fazer uma super produção, mas espero que não deixe de continuar voltando às origens de vez em quando.

Agora fiquei com vontade de conferir o filme original…

Infelizmente, não faço ideia se INFILTRADO já tá diponível em algum streaming por aqui…

OS INTOCÁVEIS, aka The Untouchables (1987)

Assisti a uns filmes bem legais esta semana para comentar aqui no blog, mas não tive tempo ainda para escrever. E não, ainda não vi outro Castellari, mas fiquem tranquilos que em breve eu posto mais do italiano. Hoje revi este filmaço do Brian De Palma e decidi arriscar algumas palavras. De Palma é um dos meus diretores americanos preferidos ainda em atividade e é sempre interessante dissertar sobre seus filmes – se é que o sujeito ainda está realmente em atividade, só acredito nisso quando PASSION, seu próximo filme anunciado, estiver em fase de pós produção.

Enquanto isso, ficamos com as maravilhas que já realizou durante a carreira, como é o caso de OS INTOCÁVEIS, sobre o incorruptível agente do Tesouro, Eliot Ness, que trava uma batalha contra o execrável gangster Al Capone durante a Lei Seca americana e blá, blá, blá…

O enredo é bastante conhecido por todo mundo e já foi diversas vezes explorado em filmes e séries, mas não significa que tenha deixado de ser interessante. Além do belo roteiro, escrito por David Mamet, a grande proeza de OS INTOCÁVEIS está na eloquente e estilosa direção de De Palma, além da colaboração de alguns monstros da atuação, como Robert De Niro e Sean Connery e os jovens Kevin Costner, Andy Garcia e até Billy Drago. Trilha sonora marcante de Ennio Morricone, impecável direção de arte e fotografia, não poderia sair nada menos que um autêntico clássico daqui!

O Capone de Robert De Niro é algo simplesmente extraordinário. Bons tempos quando o ator podia fazer apenas umas cinco ou seis aparições num filme e ainda assim surpreender a cada cena. O sujeito leu todas as biografias de Capone, viu todos os filmes sobre o cara e conferiu ainda documentários da época para compor o personagem.

O resultado está na tela em cada gesto, cada olhar, cada sorriso, já vi esse filme umas quinze vezes e toda vez fico espantado com o desempenho do De Niro. Ao mesmo tempo que inspira simpatia, fazendo seus “capachos” rirem com suas piadas, o sujeito é totalmente brutal, como na impactante cena da explosão de ódio com um taco de baseboll na mão. Deve ser o Capone definitvo do cinema, não?

O fato é que Capone é um total contraponto do bem absoluto personificado no Eliot Ness de Kevin Costner, que não é ator que guardo muita admiração, mas até que se sai bem como o herói bonzinho. Já o velho Sean Connery é outro nível e mereceu o seu Oscar de coadjuvante pelo seu trabalho impecável em OS INTOCÁVEIS.

O sujeito faz o papel de Jim Malone, um correto guarda de rua prestes a se aposentar e por isso, a princípio, não aceita fazer parte do grupo. Mas depois se encarrega de fazer o “trabalho sujo” e ações mais violentas contra Capone. “Ele puxa uma faca, você saca o revólver. Ele manda um dos seus para o hospital, você manda um deles para o necrotério. Essa é a Lei de Chicago”. Uma aula de interpretação.

Malone ajuda Ness a escolher a dedo um cadete, que ainda não foi comprado por Capone, e entra em cena um jovem Andy Garcia. O quarto Intocável é o desajeitado, mas decidido, fiscal de rendas, vivido por Charles Martin Smith, que não hesita quando Malone lhe oferece uma escopeta para entrar em ação.

 

E o que não poderia faltar em OS INTOCÁVEIS são boas sequências de tiroteios em que o quarteto se envolve, estraçalhando os inimigos com chumbo grosso, como na parte que se passa na fronteira com o Canadá, quando interceptam um carregamento de bebidas. A dose de violência também não vai deixar na mão os amantes de uma sangreira, como o assassinato no elevador. Noutra cena, logo no início, De Palma explode uma garotinha segurando uma bomba numa maleta… se fosse filmado hoje, nesta “maravilha” de mundo politicamente correto que vivemos, o filme teria vários problemas… Temos até Brian De Palma brincando de Dario Argento, com o ponto de vista subjetivo na cena do meliante que tenta entrar na casa de Malone. Um puta trabalho de câmera!

Mas o ponto máximo de OS INTOCÁVEIS foi a cena da escadaria da Union Station, um misto de suspense e ação de cortar a respiração. Ness tenta capturar uma testemunha chave para o julgamento de Capone. O cerco armado. Uma mulher que acaba de chegar de viagem aparece com um carrinho de bebê e, com muita dificuldade, resolve subir a escadaria enquanto o local vai se enchendo de figuras ameaçadoras. Basta esses simples elementos em jogo para que De Palma bote para arregaçar num tiroteio desenfreado, cuidadosamente esculpido e editado, para servir tanto de atrativo para o público, demonstrando as façanhas dos Intocávais, quanto homenagem à uma das cenas mais famosas do cinema mudo, o massacre na escadaria do filme russo O ENCOURAÇADO DE POTENKIM, de Sergei Eisenstein.

Numa época em que eu não fazia idéia de quem era Brian De Palma, lá pelos meus dez anos, no início dos anos 90, tive contato com OS INTOCÁVEIS enquanto passava numa madrugada no Corujão da Globo e como não era sempre que eu podia dormir tão tarde, gravei em VHS. Aquela fita ficou até gasta de tantas vezes que passava no velho vídeo cassete quatro cabeças do meu velho. O filme não é nem o meu favorito do De Palma, mas acabo tendo uma ligação bem maior por conta da nostalgia, por ser um dos vários exemplares responsáveis por me fazer amar tanto o cinema.