ZULAWSKI e ROHMER em curtas

Assisti a dois curtas que foram trabalhos inaugurais de grandes diretores. O polônes PAVONCELO, de Andrzej Zulawski, e o francês BÉRÉNICE, de Eric Rohmer.

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PAVONCELO (1967, 27min), é sobre um violinista que se apaixona por uma moça da alta classe, mas acaba desiludido ao adentrar no universo dela e perceber que é apenas um peão em joguinhos sórdidos. Obviamente o curta acaba ofuscado em comparação com a intensidade surtada que Zulawski desenvolveria ao longo de sua carreira, mas demonstra desde o início que o sujeito levava jeito pra coisa. O filme começa num cinema, com o violinista fazendo acompanhamento musical durante uma exibição de um filme mudo e já nesta cena de abertura, Zulawski estabelece um trabalho de câmera com travellings que levaria a cabo toda em seus longas. Mais tarde, ao ser demitido de seu emprego, o dono do cinema diz ao protagonista: “Você pode ser adequado para a Opera, mas não pertence ao cinema!” Certamente uma observação irônica de algo que o próprio diretor deveria ouvir na época, então com 27 anos. Mas para quem conhece seu trabalho é impossível pensar Zulawski fazendo outra coisa… E o estilo visual próprio que povoa toda a sua obra já são sugeridos aqui em PAVONCELO (como o rápido plano da câmera, com ângulo oblíquo da moça a dançar e chorar).

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Já o curta BÉRÉNICE (1954, 23 min) é o primeiro que Rohmer, então crítico da Cahier du Cinema, conseguiu finalizar. Filmado em 16 mm, foi baseado em uma história de Edgar Allan Poe sobre um homem (o próprio Rohmer) que fica obcecado com os dentes de sua noiva. O filme combina uma espécie de romantismo macabro com o rigor da encenação do diretor, que ainda testava os recursos da arte, mas com consciência, buscando o estilo ideal para contar sua história. Numa das sequências mais interessantes, o filme adquire uma aura tipicamente gótica, quando o protagonista observa na escuridão a presença fantasmagórica da mulher que ama. Belo trabalho de sombras e edição. BÉRÉNICE foi filmado na casa de Andre Bazin, lendário crítico de cinema, e Jacques Rivette, outro crítico do período e futuro grande diretor, conduziu a câmera, além de ter editado o filme.

POSSESSÃO (Possession, 1981), de Andrzej Zulawski

Já vou avisando que o texto contém spoilers, mas acho que sou um dos únicos que ainda não havia assistido a esta belezura…

É um pouco complicado falar de POSSESSÃO, filmezinho difícil de ser digerido, mas é inegável o seu poder e mesmo tendo visto há mais de uma semana atrás, ainda me pego pensando e visualizando suas imagens. Mas como pode ser difícil e tão bom? Nesses casos, me lembro de alguma coisa que o David Lynch disse sobre alguns de seus próprios trabalhos: que os filmes não precisavam ser compreendidos, mas sentidos… ou algo assim. Pode ser uma estupidez, mas funciona.

Então, seguindo a filosofia “Lynchiniana” sobre filmes complexos, me deixei levar por POSSESSÃO. Mas das duas uma: ou o filme é realmente complexo em demasia, ou eu que sou burro pra caramba. Mas tudo bem, o que vale é o hedonismo. E não há nada mais satisfatório que acompanhar a câmera intensa de Andrzej Zulawski, com um roteiro surtado e deslumbrar com performances impressionantes de Sam Neil e Isabelle Adjani (que está linda, exagerada e sublime).

Fora isso, não tenho intenção alguma de fazer uma análise aprofundada sobre a obra. Seria algo que se tornaria pedante demais da minha parte…

Eu falo em complexidade, mas POSSESSÃO possui uma trama que dá pra acompanhar tranquilamente, e trata, basicamente, do drama, por mais insólito que seja, do casal formado por Neil e Adjani. O fato é que ele volta pra casa depois de um tempo trabalhando no exterior e descobre que ela tem um amante, um sujeito que se acha muito mais experiente em tudo na vida que o corno do Sam Neil.

Até aí tudo bem (pra mim, não pro Sam Neil), mas a coisa não é bem assim, porque ela logo sai de casa e abandona tanto o marido quanto o amante para viver num apartamento com uma criatura horrenda que a satisfaz sexualmente. Acho que não estraguei tanto a surpresa. Não é muito segredo a presença de uma criatura, já que os créditos iniciais informam isso quando aparece o nome do grande Carlo Rambaldi, responsável pelos efeitos especiais.

E é necessário apontar para essa criatura, pois é o elemento máximo das metáforas existentes em POSSESSÃO e rende uma discussão danada em torno disso. Mas em uma leitura mais superficial, o filme pode ser visto sobre as conseqüências do fim de um relacionamento. Zulawski, que também escreveu o roteiro, disse que seu próprio casamento serviu de inspiração…

Ou se preferir, POSSESSÃO pode prestar também como um excêntrico filme de horror. Claro que não serve para qualquer público, principalmente pela narrativa lenta, o desfecho hermético e o comportamento estranho dos personagens que agem como loucos-histéricos-psicóticos-suicidas, e não só o casal central, todos parecem afetados pela trama. Mas não falta aqui uma atmosfera densa e carregada, litros de sangue e até mesmo um monstro pra completar a sessão de terror!