
STALKER, de Andrei Tarkovsky, foi o lançamento de fevereiro em DVD e Blu-Ray da CPC UMES Filmes. Por problemas técnicos, só pude rever o filme em DVD, o que não deixa de ser uma uma dessas experiências transcedentais que o cinema de Tarkovsky proporciona a cada contato com seus trabalhos seja lá em qual formato for. Em especial STALKER, que pra mim é a obra-prima do homem. Produzido pelo Mosfilm e vagamente baseado no romance de ficção científica Roadside Picnic, de 1972, escrito pelos irmãos Arkady e Boris Strugatsky (que também ficaram responsáveis pelo roteiro), STALKER é um labirinto metafórico entre uma jornada do imaginário sci-fi e uma parábola espiritual sobre medos, impulsos paradoxais, esperança e crença – em Deus? em si mesmo?
Filmado em grande parte em torno de duas usinas hidrelétricas abandonadas e de uma antiga fábrica de produtos químicos nos terrenos pós-industriais de Tallinn, na Estônia (e que ao que se supõe foi onde o diretor “pegou” o câncer que o matou menos de uma década depois), STALKER descreve uma expedição pelas profundezas da ZONA, uma região proibida em torno de uma cidade sem nome, onde tempo, espaço e realidade mudam constantemente. Onde o menor desvio do caminho pode ser fatal. E onde, em seu coração, há uma sala misteriosa supostamente capaz de tornar realidade os desejos mais profundos do homem. Pensa-se que é o subproduto de uma civilização alienígena ou de um asteroide que caiu no local algumas décadas antes. A ZONA foi selada pelo governo temeroso, e o conhecimento de seus poderes suprimidos das massas. E os únicos indivíduos que sabem se guiar por entre os segredos e os perigos ocultos da ZONA são conhecidos como Stalker.

Os mais recentes clientes do Stalker (Alexander Kaidanovsky) que vamos acompanhar por essa jornada são um Escritor (Anatoli Solonitsyn) e um Professor (Nikolai Grinko), que têm razões diferentes, mas igualmente obsessivas, para arriscar suas vidas em busca pela iluminação na tal sala dos desejos. Mas a jornada física através da ZONA reflete a viagem psicológica interna desse Escritor, que é um sonhador trágico, do Professor, cético e racional, e até do Stalker, enquanto lutam com seus tormentos pessoais, angústias existenciais, visões de mundo divergentes um do outro e na possiblidade de tudo não se passar de uma balela…
Nas mãos de Tarkovsky, o enredo linear de STALKER se transforma numa estrutura complexa de imagens carregadas de simbolismos, paisagens atmosféricas assustadoras e diálogos filosóficos, culturais, sociais e políticos provocadores. O visual onírico e a qualidade sobrenatural que permeiam o filme são realizadas através de uma integração completa de um trabalho de câmera, som, cores… É interesante como o mundo fora da ZONA é filmado em um tom sépia que, mesmo representando um tempo futuro, remete a gravuras, fotografias de épocas ou xilogravuras, evocando assim a idéia de uma sociedade enraizada no passado.


Em contraste, a ZONA é mostrada em cores saturadas, simbolizando a emergência dos três viajantes em um espaço desconhecido, potencialmente libertador e diametralmente oposto àquele de onde saíram. De vez em quando, Tarkovsky brinca com os dois ambientes distintos, de acordo com a ambiguidade geral da narrativa, alternando as tonalidades durante uma sequência de sonho dentro da ZONA e, posteriormente, quando o Stalker se reúne com sua esposa e filha, já no final do filme, num dos desfechos mais poderosos que eu já vi.
Para quem já está familiarizado com o trabalho do diretor, aqui não vai ter nenhuma surpresa: loooongas e leeeentas tomadas e movimentos sutis de câmera, rejeitando totalmente a ideia de uma montagem mais dinâmica. E é curioso como o estilo do diretor acaba se tornando elemento essencial de STALKER, prendendo o olhar do espectador a cada detalhe, três horas de trabalho de imersão quase sobrenatural para dentro dos mistérios da ZONA.


Curiosa também como foi a recepção do filme na época em relação a lentidão característica do diretor. Acho que por se tratar de um sci-fi, esperavam que Tarkovsky fizesse algo parecido com STAR WARS, sei lá… E Tarkovsky cagando pra isso. Após o lançamento de STALKER, funcionários do Goskino, um grupo governamental também conhecido como Comitê Estadual de Cinematografia, criticaram o filme pelo seu ritmo. E ao ser informado de que STALKER deveria ser mais rápido e dinâmico, Tarkovsky ironizou: “O filme precisa ser mais lento e sem graça no início, para que os espectadores que entraram no cinema errado tenham tempo de sair antes de começar a ação principal”.
O representante do Goskino explicou que estava tentando dar o ponto de vista do público… E Tarkovsky supostamente respondeu: “Estou interessado apenas na opinião de duas pessoas: uma se chama Bresson e a outra se chama Bergman”. Touché.
O DVD (e o Blu-Ray) da CPC-UMES Filmes traz STALKER totalmente remasterizado, com formato de tela original, boas legendas e som e imagem de cair o queixo. Para colecionadores, que como eu só tinha aquela versão ridícula da Cocôntinental, é um item obrigatório para ter no acervo. O disco traz como extras algumas informações sobre o diretor, roteiristas, trilha sonora e trailers de outros lançamentos da CPC UMES Filmes. Já dá para encontrar STALKER nas melhores lojas do ramo, livrarias e na loja virtual da distribuidora. Não deixe também de curtir a página da CPC UMES FILMES no Facebook e instagram para ficar por dentro das novidades e os seus próximos lançamentos em DVD e Blu-Ray.