
Segundo longa de Alain Robbe-Grillet como diretor, depois de L’IMMORTELLE (1963), embora já fosse famoso no período como o roteirista de O ANO PASSADO EM MARIENBAD (1961). E assim como no filme de Resnais, TRANS-EUROP-EXPRESS é um desses experimentos com a narrativa e com nossas percepções. O que temos aqui é um filme de Alain Robbe-Grillet chamado TRANS-EUROP-EXPRESS sobre um roteirista/diretor interpretado por Alain Robbe-Grillet que está planejando um filme chamado TRANS-EUROP-EXPRESS.
Calma, explico: Três pessoas embarcaram na linha Trans-Europ-Express em Bruxelas, são figuras ligadas a cinema (um produtor, um roteirista/diretor e uma roteirista), e começam a trabalhar em ideias para seu próximo projeto. Será um filme chamado “Trans-Europ-Express”, um thriller, com premissa ambientada no trem. Quando eles notam o astro de cinema francês Jean-Louis Trintignant no mesmo vagão, decidem que ele fará o papel principal, de um traficante de drogas chamado Elias. E a partir daí somos colocados numa posição na qual realidade e “fantasia” vão se cruzando. É o ator Jean-Louis Trintignant que estamos acompanhando ou Elias, o traficante de drogas?

Dos três indivíduos ali imaginando o filme – que de forma instantânea assistimos – o produtor é interpretado por um dos produtores reais de TRANS-EUROP-EXPRESS, o roteirista/diretor é o próprio Alain Robbe-Grillet e a roteirista é encarnada por sua esposa, Catherine Robbe-Grillet. De vez em quando decidem que uma determinada cena não funciona, então a cena que acabamos de assistir é descartada. As cenas também são revisadas. A história muda conforme assistimos.
É uma ideia interessante, uma trama de pistas falsas, não há certeza de quem está jogando e quem está sendo manipulado. Elias precisa comprar uma mala vazia e depois trocá-la por outra, contendo drogas. Mas ele acaba pegando uma mala sem a mercadoria… A gangue para a qual ele trabalha está testando-o. Ele recebe uma arma, mas não pode usá-la. Recebe uma série de instruções enigmáticas que o levam a percorrer toda a cidade da Antuerpia. Mais malas aparecem e desaparecem. Senhas misteriosas são trocadas.

Uma das malas contém os pertences pessoais de Elias, coisas que ele leva consigo quando viaja. Uma escova de dentes, navalha, seu pijama e… Uma corda e corrente. Estamos num filme de Alain Robbe-Grillet, então é óbvio que Elias carrega uma corda e uma corrente. Elementos sadomasoquistas são encontrados em todos os filmes e livros escritos por Robbe-Grillet e refletem seus próprios gostos e os de sua esposa (que era dominatrix e foi a autora de alguns dos mais famosos romances S&M). Em TRANS-EUROP-EXPRESS isso não é diferente e não surpreende quando temos situações e diálogos como, por exemplo, quando Elias conhece uma jovem prostituta chamada Eva (Marie-France Pisier). Ela o convida a ir para sua casa e ele diz que não está interessado em sexo, só está interessado em estupro. Ela garante que não haverá problema, mas terá um custo extra. Sorte que ele tinha as correntes e a corda com ele.

Durante a trama de TRANS-EUROP-EXPRESS, Elias não sabe em quem confiar ou para quem exatamente está trabalhando. O espectador também não sabe. E nem mesmo os três cineastas que estão criando a história, já que estão escrevendo no decorrer do processo. Um personagem pode ser um membro de uma gangue, mas eles podem mais tarde decidir que ele é na verdade um policial. Os desempenhos não são muito convencionais, se alternam entre o teatral, ou bastante monótonos, ou são exagerados… Porque, afinal, os roteiristas ainda não decidiram sobre as personalidades. Trintignant desempenha seu papel como uma marionete, fazendo a si mesmo, que interpreta um traficante de drogas numa trama que está sendo desenvolvida em tempo real…

Como a maioria dos filmes de Robbe-Grillet, TRANS-EUROP-EXPRESS contém uma porção generosa de excentricidade. Há algumas ceninhas de nudez, alguns elementos de submissão feminina, imagens que têm apelo e ajudam nas bilheterias (e que conseguiu fazer com que o filme fosse banido no Reino Unido). A sequência da dançarina nua no palco giratório (filmada no lendário cabaré Crazy Horse em Paris) é particularmente curiosa e, para os padrões de 1966, deve-se dizer que ela revela uma quantidade boa de pele nua. O tipo de coisa que tornou os filmes e a literatura de Robbe-Grillet polêmicos. Só pra ter uma noção, o livro mais perturbador que já li na vida foi escrito por Robbe-Grillet: Um Romance Sentimental, lançado em 2007. Depois de ler esse livro, nada mais te choca. No caso de TRANS-EUROP-EXPRESS a coisa ainda é branda e funciona, adicionando um toque extra de estranheza e surrealismo. Um filme em que todas as obsessões de Robbe-Grillet se juntam com sucesso sem chocar. Pelo menos para o público atual…
Embora TRANS-EUROP-EXPRESS compartilhe um pouco de alguns temas com L’IMMORTELLE, que eu preciso rever, ele também marca uma mudança de direção no tom – é um filme muito mais divertido, mais bem humorado e exuberante em comparação com seu filme de estreia. Robbe-Grillet está se divertindo e parece querer que o espectador também aproveite o filme e os procedimentos desse “projeto em andamento”. Vale uma conferida.