THE AMUSEMENT PARK (2019)

Em 2018 fomos agraciados com THE OTHER SIDE OF THE WIND, filme inacabado de Orson Welles que conseguiu, através dos esforços de alguns indivíduos e da Netflix, ver a luz do dia. Naquele mesmo ano, noticiou-se a descoberta de mais um tesouro perdido, um filme do então recém falecido George A. Romero, um dos maiores mestres do horror americano, filmado ainda nos anos 70 e que nunca foi lançado. Esse filme era THE AMUSEMENT PARK.

Em 1973, a Igreja Luterana contratou Romero – aparentemente sem ter visto nenhum de seus filmes (o sujeito já havia realizado três longas, incluindo o clássico A NOITE DOS MORTOS VIVOS) – para comandar uma produção institucional sobre a situação dos velhinhos, dos abusos e preconceitos que pessoas em idade avançada sofrem na sociedade. O que ele entregou, uma obra alegórica de horror, surrealista, com uma narrativa de pesadelo, deixou a Igreja tão chocada que acabou arquivando o material. THE AMUSEMENT PARK foi considerado perdido até 2018. Encontrado, restaurado, chegou a passar em festivais em 2019 (tornando a data oficial) e foi lançado essa semana no serviço de streaming Shudder.

Estrelado por Lincoln Maazel, que está no icônico filme de Romero, MARTIN (77), THE AMUSEMENT PARK abre com um monólogo do ator direto para a câmera, nos dando uma introdução do tipo Rod Serling (criador de ALÉM DA IMAGINAÇÃO), antes que nossa história comece. Assim que o “espetáculo” inicia, o espectador se sente imediatamente lançado em um mundo surreal e estranho. Maazel, agora vestindo um terno branco, adentra em uma sala branca, todo otimista, mas vê a si mesmo também na sala, sentado em uma cadeira, sujo e derrotado. O velho avisa à sua versão otimista para não passar pela porta e ver o mundo lá fora, mas o homem otimista diz que gostaria de ver por si próprio. E assim ele entra num parque de diversões. Um parque comum, familiar, mas que serve de alegoria para a sociedade apodrecida que Romero aborda.

O que se segue a partir disso é uma representação surreal da angustiante existência dos idosos no convívio em comunidade, usando situações cotidianas de um parque de diversões como versões paralelas do mundo real, num crescente de paranóia e horror.

Uma montanha-russa assume o ritmo de um pesadelo. Uma tentativa de almoçar termina em humilhação. O velho acaba sendo espancado por motoqueiros e, quando tenta encontrar os primeiros socorros, é maltratado por uma tenda médica sem alma… E por aí vai. A gota d’água vem quando o velhote encontra sua primeira conexão – uma menina, fazendo um piquenique com sua família, que pede a ele para ler uma história – interrompida de forma dolorosa…

Ao final, o velho está em frangalhos, de volta à sala branca. E sua versão limpinha e otimista retorna com seu ávido desejo de se aventurar lá fora. Mais um ciclo de sofrimento que se inicia…

Quer THE AMUSEMENT PARK tenha ou não o efeito pretendido pela igreja Luterana, algo que incitasse as pessoas a serem mais atenciosas com os mais velhos, hoje isso pouco importa. Romero criou um pequeno filme poderoso (53 minutos), digno de comparação com qualquer um dos tormentos alucinógenos do cinema psicodélico dos anos 70, ou uma versão mais extrema de um episódio de ALÉM DA IMAGINAÇÃO. Sentimos muita falta dos talentos de George A. Romero, que morreu em 2017, e ao menos temos a oportunidade de apreciar um trabalho inédito. Um filme que, ainda hoje, talvez não agrade qualquer público, mas cuja existência e inclusão na filmografia de Romero merece a celebração.

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