CAMINHOS PERIGOSOS (1973)

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Comecei um “esquenta” para o THE IRISHMAN, próximo filme de Martin Scorsese que está a estrear logo ali em poucas semanas pela Netflix. CAMINHOS PERIGOSOS (Mean Streets), que já não assistia há uns quinze anos, foi o primeiro da lista a rever, porque primeiro eu queria voltar à essa trilogia de “máfia italiana” que o Scorsese fez. Os outros filmes são OS BONS COMPANHEIROS e CASSINO.

Não sei se vou conseguir escrever algo a tempo sobre os outros dois, mas queria postar pelo menos sobre este aqui, porque nessa revisão meu ardor pelo filme foi reacendido. Vocês sabem, passam os anos e o distanciamento torna a relação com certos filmes um bocado nebulosa, embora eu sempre tenha gostado de CAMINHOS PERIGOSOS desde a primeira vez que vi. Por isso a importância de rever, de lembrar exatamente porque amamos os filmes. E por que eu amava CAMINHOS PERIGOSOS? Não lembrava mais com tanta clareza…

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Certamente é o trabalho mais autobiográfico do diretor. Charlie (Harvey Keitel) é quase um alter ego de Scorsese, habitante da Little Italy, em NY, imerso no mundo da criminalidade da região. Mas também torturado pela santidade, redenção, necessidade de perdão pelos pecados e que vai à igreja, aproxima sua mão nas chamas das velas debaixo da cruz de Cristo para sentir um resquício do calor que lhe espera no inferno… Em sua sede de redenção, ele se põe como protetor de um bandidinho local, o maluco Johnny Boy (Robert De Niro trabalhando pela primeira vez com Scorsese), como se protegendo esse delinquente sua salvação estaria garantida.

Mas Johnny não parece se importar muito. Prefere sair com garotas, encher a cara, explodir caixas de correio, se meter em brigas… gosta dos jogos do submundo e aumentar suas dívidas com pequenos mafiosos. Como salvar alguém que não quer ser salvo? E podemos nos redimir salvando os outros? Redenção e fé: dois temas constantes de Scorsese que reflete num filme doloroso, mas dotado de energia impressionante e um certo bom humor. O universo de Scorsese ocasionalmente tem essa de estar entre o burlesco e a violência. Algumas situações realmente merecem boas risadas (“Whats a mook?“), mas no final tudo é brutal e sem esperança, tudo têm consequências e, no apagar das luzes, uma bala pode atravessar o teu pescoço.

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Na direção, Scorsese cria um verdadeiro caos de som e imagens encenadas de maneira muito expressiva: câmera na mão, edição frenética, estética de documentário ao estilo John Cassavetes, cores saturadas, close-ups apertados de rostos e corpos – tem até uma cena que a câmera fica acoplada à Keitel – diálogos afiados, tudo embalado numa trilha sonora da moda (The Ronettes, Rolling Stones, Clapton…).

Tanto no nível temático quanto no visual, tanto na direção dos atores quanto no tom muito pessoal na criação desse universo, mesmo com as referências da Nouvelle Vague europeia, mas também pelo gosto pelo cinema americano, enfim, o filme se impõe como algo nunca visto na sua época. Sua influência ao longo das décadas é absurda. Ou seja, motivos suficientes para amar CAMINHOS PERIGOSOS é o que não falta… Que venha THE IRISHMAN!