Assisti recentemente a DRAGGED ACROSS CONCRETE e não só confirma a belezura de filme que eu esperava (afinal, fora anunciado como um policial casca-grossa estrelado pelo Mel Gibson de bigode), um dos melhores do ano até o momento, como também coloca em definitivo o seu diretor, S. Craig Zahler, se é que havia alguma dúvida, entre os melhores da atualidade nesse ofício de fazer filmes.
Então temos Mel Gibson – de bigode – e Vince Vaughn (repetindo a parceria com o diretor) como uma dupla de detetives cujos ideais nem sempre vão de acordo com os burocráticos métodos da força policial. São do tipo que atiram primeiro e fazem perguntas depois. O tipo de policial asqueroso que só é bom no cinema. Na vida real, desprezo qualquer tipo de fascismo, obviamente. Como cinéfilo, no entanto, aceito qualquer ideologia radical que seja colocada na tela, até porque acima do discurso sempre tem o cinema, a linguagem e a ética de olhar o mundo sem falsidade. Zahler tem esse olhar e usa bem esse contexto como como trampolim narrativo, para a habitual jornada ao inferno que seus personagens traçam (como em BONE TOMAHAWK e BRAWL IN CELL BLOCK 99). E porque esse tipo de personagem – policiais reacionários – é foda pra caralho (no cinema).
Ainda na trama, a dupla acaba se ferrando quando é flagrada por uma gravação de celular usando de força bruta pra cima de um suspeito durante uma batida policial. A mídia está pronta para cair matando em cima e o capitão da esquadra, interpretado pelo grande Don Johnson, dá à dupla uma suspensão não remunerada de seis semanas. Isso não ajuda muito os dois policiais, que precisam de seus contracheques para enfrentar os problemas financeiros do cotidiano, já que a vida é dura, policial ganha mal pra cacete, e trabalhar honestamente não “dignifica a alma”, como muitos dizem… Preocupações latentes no cinema de Zahler: amargas questões sociais e o tênue limite entre a justiça e a arbitrariedade.
Em determinado momento começa a tal “descida ao inferno”. O desespero começa a beliscar os calcanhares e os dois detetives decidem emboscar um grupo de ladrões de banco que acabou de fazer um puta assalto. O filme vira uma trama de gato e rato, com planejamentos, perseguições, tiroteios, assassinatos à sangue frio… Tudo o que precisamos num filme policial badass temos aqui. Mas bem ao estilo Zahler, o que significa acompanhar esses personagens ao submundo mais escabroso possível, onde os habitantes cruéis e sádicos não valem o peido de uma égua e ainda assim é impossível tirar os olhos da tela.
E Zahler me parece muito apaixonado por contar exatamente a história que quer contar, insistindo em cada detalhe de todas situações, personagens e possibilidades, e até cheguei a me perguntar se precisava daquilo tudo (o filme tem mais de 2h30m), que uma edição mais disciplinada poderia ter feito alguns favores… Mas ao final eu já estava tão imerso e envolvido no papo do Zahler, no ritmo lento, na tensão crescente cirurgicamente construída, no universo daqueles personagens, que sequências como a da participação de Jennifer Carpenter, por exemplo, que é totalmente descartável, nem me incomodaram. E o que poderia ser excesso nas mãos de uns, Zahler transforma em enriquecimento narrativo.
E tudo é filmado com precisão, longos planos, com uma câmera rígida, um mínimo de edição, fundamental para sentir o peso das imagens, da atmosfera e da dor. Desde seu primeiro filme, Zahler trabalha com o mesmo diretor de fotografia, Benji Bakshi, o que deve ajudar a criar uma certa uniformidade autoral e visual na obra do diretor. A violência, outro elemento constante no cinema de Zahler, ainda que em menor escala por aqui, permanece brutal e fascinante como nos seus filmes anteriores. E assim S. Craig Zahler tem se estabelecido como uma das vozes mais distintivas do moderno cinema de ação/policial americano. E do horror, talvez?
Mel Gibson está do jeito que sempre gostamos. Em estado de graça, no papel de um policial cansado e fodido, uma espécie de Martin Riggs envelhecido, em descompasso com o mundo, anacrônico, enfim, um personagem que se encaixa como uma luva ao ator, que oferece uma de suas melhores performances desde os anos 90. Vê-lo descarregando chumbo em desafetos e recarregando seu revolver com uma agilidade impressionante é um dos grandes momentos do cinema em 2019. E, obviamente, tem o bigode mais badass do ano.
Vaughn sempre a tentar se dissociar das comédias que fez ao longo da carreira, mas não tenho problema algum com ele fazendo papéis puramente dramáticos. Óbvio que de vez em quando dá a sensação de que fará uma piada a qualquer momento, mesmo em situações pesadas ou tensas. Mas seu desempenho aqui é sólido. Já tinha demonstrado que podia fazer sujeitos sérios e trágicos em BRAWL ON CELL BLOCK 99. Mas o filme não é apenas Gibson e Vaugh. É também Tory Kittles, que rouba o filme para si em vários momentos, vive um dos assaltantes de banco e possui o seu próprio arco dramático. No elenco ainda se destacam Michael Jai White (numa participação bem maior que eu esperava) e uma pontinha sempre bem-vinda de Udo Kier.
Infelizmente, é mais um trabalho poderoso do Zahler que não teremos o prazer de ver nos cinemas. Portanto, assista da maneira que conseguir. Vale a pena.
Filmaço! Mais um do Craig Zahler. Concordo com o seu texto quando diz que se tivesse um editor mais rigoroso, talvez não teriamos aquela microhistória da personagem da Jeniffer Carpenter (que depois no banco achei que foi meio desnecessário, principalmente porque ficou meio perdido ali).
Fecho com os comentários aqui também que o final ostentação não foi legal. Acabasse antes, seria muito mais impactante! Por fim, filmografia do Zahler está em 10/10.
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Olha, o filme para mim podia ter acabado, antes da ostentação…Mas o final para mim não foi estragado por causa disso, tem gente que gosta de um ponto final. Já com relação a Jennifer Carpenter, eu na verdade gostei pois lembrei do “Cavaleiro das Trevas”, pois o Frank Miller ao longo da obra colocou pequenas histórias de gente que era afetada pelo Morcego. E história da personagem dela foi bem isso, era mostrar que havia toda uma vida, naquela figurante. E que trilha sonora é essa? Fantástica, o bicho além de escrever e dirigir ainda foi co-autor da trilha!
Certamente vou continuar acompanhando a carreira deste diretor, mas ao contrário de você, pra mim aquela cena com a senhorita Carpenter me incomodou pra caramba. A cena final também achei altamente sabotadora para a qualidade do filme. Um bom diretor, mas todos os seus três filmes, têm alguns elementos que irritam jogados a esmo dentro do que poderia ser um filmaço.
Acontece… 🙂
o final do filme é gangsta ou funk ostentação?
final péssimo!
Acho que as duas coisas…
a historinha do guri deficiente salvo pelo video game gangsta ostentação…
me lembrei da velha no bonitinha,mas ordinária…
acho que esse diretor começou a andar pra trás
Como disse, tem muita coisa descartável no filme que o Zahler usa pra dar uma enriquecida na narrativa. Alguns funcionam mais outros menos, mas realmente essas situações não me incomodaram em nada… Por mim, ele pode continuar filmando assim que tô satisfeito. Hehe!