BRAWL IN CELL BLOCK 99 (2017)

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Devo postar essa semana algumas impressões sobre o novo filme do S. Craig Zahler, DRAGGED ACROSS CONCRETE, que é um dos melhores filmes deste ano até o momento (junto com A MULA e GLASS), mas enquanto não finalizo o post, republico e atualizo o textinho sobre BRAWL IN CELL BLOCK 99, o filme anterior de Zahler, que escrevi para o Action News. BONE TOMAHAWK, o primeiro trabalho do homem já escrevi também por aqui…

Este último, aliás, pegou muita gente de surpresa. Claro, parecia promissora essa mistura de horror e western lá por volta de 2015, que tinha Kurt Russell no papel principal, mas acho que ninguém esperava que seria uma obra tão madura, brutal e fascinante vindo de um diretor estreante. Estreante, mas demonstrando talento, impondo uma narrativa de ritmo lento e poético em contraste com um excesso retumbante de violência, construindo personagens fortes, configurando uma crescente de tensão cujo parâmetro remete quase literalmente à uma descida ao inferno.

O receio com diretores estreantes que lançam obras poderosas logo de cara é algo comum. Se errasse a mão num filme seguinte eu já estaria preparado para isso. Acontece. BONE TOMAHAWK poderia ter sido apenas um acidente. Não foi. BRAWL IN CELL BLOCK 99, seu segundo trabalho, mostra que o diretor não está para brincadeiras. Um baita filmaço que narra mais uma jornada às profundezas da degradação humana recheado de violência e ainda apresenta uma performance espetacular de Vince Vaugh, o elemento mais indispensável à condução da narrativa.

Vaugh é Bradley Thomas, um ex-pugilista, alcoólatra em recuperação, um motorista de reboque que acabou de perder o emprego, marido traído e o satanás em pessoa quando precisa usar as mãos, fruto de um código de honra que carrega no fundo da alma. Há uma cena em que o sintetiza bem, quando descobre que sua mulher esteve pulando a cerca. Bradley não é um homem abusivo, mas ele reage da maneira que consegue naquele momento: estraçalhando metodicamente seu carro com as mãos nuas.

Depois de resolver seus problemas matrimoniais e preservar seu casamento, Bradley decide voltar a um trabalho antigo, entregando “pacotes” para um traficante local. Dezoito meses depois, o sujeito está bem melhor financeiramente, morando numa casa confortável e espaçosa, e sua esposa grávida de seis meses. Contra o instinto de Bradley, seu chefe entra em negociação com um poderoso narcotraficante, Eliazar (Dion Mucciacito), para realizar um trabalho. Durante a empreitada, Os homens de Eliazar fazem merda e acabam trocando tiros com a policia. No meio da confusão, Bradley resolve mirar nos traficantes ao invés dos tiras…

Isso não ajuda muito no seu julgamento, e depois que se recusa a entregar qualquer nome de seus associados, Bradley é condenado a sete anos em uma prisão de segurança média. Mas os problemas de Bradley começam mesmo quando recebe a visita de um misterioso homem (Udo Kier) que representa o traficante Eliazar. O sujeito não está nada feliz com as ações que Bradley tomou durante o tiroteio, o que custou dois de seus homens e alguns milhões de dólares.

Para resumir, Eliazar tomou a esposa de Bradley como refém e tem um abortista à sua disposição com algumas ideias bem sádicas na cabeça, só para assegurar que o protagonista pague sua dívida. Na verdade, Bradley recebe uma missão: assassinar um indivíduo que se encontra detido numa prisão de Segurança Máxima, no tal bloco 99. Só que para chegar lá, Bradley terá que aprontar um bocado, o que significa uma jornada sangrenta de muita pancadaria e ossos quebrados rumo a um verdadeiro inferno.

Para quem está familiarizado com BONE TOMAHAWK, vai perceber como as duas obras dialogam entre si na gradual construção de tensão, numa metodologia de cicatrização lenta. Zahler novamente demonstra uma habilidade única para construir um universo em que a narrativa existe em seus próprios termos e ritmo. Os quadros que duram o tempo que tem que durar (e que fazem uma busca quase obsessiva pela mesma perspectiva), os pequenos detalhes visuais que enriquecem a narrativa (reparem nas diferenças, tanto sutis quanto gritantes, entre os presídios de segurança média e máxima, até chegar no nível mais baixo em termos de cenário de prisão), na sensibilidade para a elaboração de uma história que se desenrola com personagens vividamente detalhados.

Diferentes cenários, mesma obsessão de perspectiva.

Tal como em BONE TOMAHAWK – que toma seu tempo e leva mais da metade de projeção para chegar ao ponto crucial da sua trama de pesadelo e violência – BRAWL IN CELL BLOCK 99 também não tem muita pressa para chegar ao cenário do título. Em vez disso, passamos boa parte do filme assistindo a um homem que recebeu uma dura pancada da vida, fez escolhas “erradas” e agora precisa fazer o que é necessário manter seu código, para fazer o que é “certo”.

Vaughn é uma revelação aqui, cada momento seu na tela é a indagação de escolhas morais, sobre os “certos” e “errados”, que um sujeito precisa fazer quando está disposto a encarar todos os castigos imagináveis ​​para garantir o bem estar daqueles que ama. E Vaugh entrega uma performance notável, uma performance física, com um uso do corpo de forma magistral, dando um impulso ainda mais extremo para as cenas de violência. Além de Vaugh e Kier, o elenco ainda conta com Don Johnson (DEAD BANG) como carcereiro casca-grossa de penitenciária, e Jennifer Carpenter (DEXTER) fazendo esposa de Bradley.

O filme confirma o escritor-diretor Craig S. Zahler como um dos grandes talentos do cinema americano atual e é uma que este trabalho nunca tenha chegado nas salas de cinema aqui no Brasil… Mas tudo bem, um filme como BRAWL IN CELL BLOCK 99 não merece mesmo um público bunda-mole como o nosso. A jornada moral de Bradley é uma experiência intensa que será reduzida como “cinema choque”, “violento demais”, e toda a reflexão imbuída e o que ela representa será ignorada. Para cinéfilos mais “experimentados” isso aqui é ouro.

2 pensamentos sobre “BRAWL IN CELL BLOCK 99 (2017)

  1. Pingback: DRAGGED ACROSS CONCRETE (2018) | vício frenético

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