Revisão de CÃES DE ALUGUEL. E não é que continua uma belezura? É claro que vendo com os olhos de hoje, com mais bagagem e menos vislumbre que na época de adolescente, quando descobri o filme, percebe-se a mão pesada do Tarantino em alguns momentos. Já entrei em alguns debates com verdadeiros fãs do filme sobre isso, amigos que consideram CÃES DE ALUGUEL a obra-prima do diretor. Respeito de forma absoluta. No entanto, pessoalmente, acho que possui alguns problemas de decupagem, com certos trechos cansativos e muito teatrais (especialmente a que constrói o personagem do Tim Roth)… Mas esse tipo de questão é normal para um estreante, que se arriscou num trabalho autoral, com sua assinatura, como é o caso de Tarantino. E é um cinema feito com tanta paixão e honestidade que esses probleminhas nem incomodam e é difícil não ficar absorvido por aquele universo tão peculiar.
A cena de abertura é uma das minhas favoritas, com uma câmera que gira em torno da gangue de assaltantes vestidos de ternos pretos, discutindo uma tese genial a respeito do verdadeiro significado da letra de “Like a Virgin“, da Madonna. Daí pra frente Tarantino nos coloca em um mundo que é ao mesmo tempo familiar e diferente. E acho que é esse o charme dos seus primeiros filmes. Ele compreende tão bem o tipo específico de cinema de crime e ação, que acaba encontrando novas maneiras de abordar o gênero, tornando-os renovados, cheios de frescor. Em CÃES DE ALUGUEL é o filme de gangster e de assalto, cujo roubo de uma joalheria nunca é mostrado, apenas suas consequências. Tudo embalado numa interessante estrutura não-linear que ajuda a ter uma ideia de quem são esses indivíduos e como entraram na jogada.
O elenco e os vários duelos entre os atores acabam sendo o grande destaque de CÃES DE ALUGUEL, até porque já aqui neste primeiro trabalho Tarantino demonstra que seu forte é a criação de diálogos fantásticos. Temos Harvey Keitel (que também foi produtor do filme) e Tim Roth matando a pau; Lawrence Tierney e Chris Penn (irmão do Sean) também estão ótimos. Mas quem realmente se sobressai nessa turma toda é Steve Buscemi como o arisco Mr. Pink e, acima de todos, Michael Madsen, como Mr. Blue, que protagoniza a sequências mais violenta do filme, a que seu personagem corta a orelha de um policial ao som de Stuck in the Middle With You, do Stealers Wheel. Essa combinação de violência irônica e humor negro é essencial para entender uma das facetas do estilo de Tarantino. Mas também o universo de referências e reverência ao cinema pelo qual Tarantino é apaixonado, o uso da trilha sonora, a abordagem moderna e desconstruída de certos gênero… E tudo já está aqui, em CÃES DE ALUGUEL, um dos filmes mais importantes dos anos 90 e que só foi eclipsado porque o próprio Tarantino lançou dois anos depois PULP FICTION, querendo ou não, um dos filmes mais cultuados e influentes dos últimos trinta anos.
SPOILERS PARA THE HATEFUL EIGHT
Acho que é o filme mais autoral dele, onde ele assume a sua marca de verdade. É em aqui que ele consegue criar uma atmosfera carregada e palpável, naquela proposta de esticar a tensão como uma fita borracha até o limite possível para explodir em violência, que é nisso que o seu cinema se deleita na realidade. Acho que é o melhor filme dele por ser bem focado e amadurecido, o que é o oposto do seu pior trabalho, Kill Bill, que na minha opinião é uma salada de frutas, tentando fazer quinhentas coisas e quinhentos genêros.
Por ser bem focado, em hateful eight você se importa com o destino dos personagens como o do Kurt Russel. Na edição o Tarantino se permite a ideia de apreciar o silêncio em alguns momentos. Jennifer Jason Leigh tocando violão por dois minutos na cena que antecede o envenenamento é umas das melhores coisas que ele já filmou. E por último literalmente “There won´t be many coming home” é o melhor uso de música em sua filmografia.
E digo mais: se Sam Peckinpah estivesse vivo ele só iria gostar de dois filmes do Taranta: Jackie Brown e esse aqui, justamente os seus trabalhos mais maduros.
Têm mais uma questão, é curioso que as melhores sequencias nos filmes do Tarantino são as que envolvem interações entre um homem e uma mulher:
Exemplo 1: BRIDGET FONDA e DE NIRO em Jackie Brown. Aliás uma atuação subestimada do De Niro. Certamente a sua última grande.
Exemplo 2: A melhor cena DISPARADA de Pulp Fiction é toda a sequencia com a Uma Thurman e o Travolta. Desde o inicio no restaurante até a overdose. E é por isso que o resto do filme com historias paralelas perde força na minha opinião
Exemplo 3: Jennifer Jason Leigh e Kurt Russel literalmente acorrentados até o final aqui.
É uma bela defesa. Concordo com quase tudo que você disse, mas pessoalmente não vejo uma diferença tão discrepante em termos de autoria entre HATEFUL e os outros filmes dele – atmosfera carregada e palpável; esticamento da tensão; a preocupação com os personagens… Enxergo isso tudo com maestria e personalidade, e às vezes até com superioridade, em outros trabalhos, especialmente em JACKIE BROWN e PULP FICTION. Mas aí entramos numa questão de gosto pessoal que não leva a lugar algum…rs Mas acho legal vc ter essa visão de que HATEFUL seja o mais autoral dele. Eu adoro o filme, apesar de colocar em último no meu “Ranking Tarantino”, pelo fato apenas de gostar mais dos outros, não por não gostar do filme…
Sobre KILL BILL, concordo em partes, porque sim, é uma salada de frutas tentando ser vários gêneros… Curiosamente revi na semana passada o vol. I, e achei tudo extremamente divertido. Simplesmente o caso de ser uma bagunça de referências não me incomoda em nada. hehe!
Também absorvendo certa bagagem, consigo hoje analisar claramente a filmografia do Taranta que vai para o seu nono filme esse ano. RESERVOIR DOGS é sem dúvidas um dos primeiros colocados. A classificação que faço é bem peculiar, mas da mesma não tenho dúvidas pois posso fundamenta-lá bem caso necessário:
1) THE HATEFUL EIGHT (2015)
2) RESERVOIR DOGS (1992)
3) INGLORIOUS BASTERDS (2009)
4) JACKIE BROWN (1997)
5) PULP FICTION (1994)
6) DEATH PROOF (2007)
7) DJANGO UNCHAINED (2012)
8) KILL BILL THE WHOLE BLOODY AFFAIR
Tá aí uma bela sequência. Se puder falar um pouco do porque de THE HATEFUL EIGHT na primeira posição seria bacana…
A minha lista:
1. Jackie Brown
2. Pulp Fiction
3. Cães de Aluguel
4. Death Proof
5. Kill Bill – vol.1 & 2
6. Inglorious Basterds
7. Django Livre
8. The Hateful Eight
Blz, rabisquei o porque no comentário anterior. E por todos estes motivos, no qual vejo ele atualmente no ápice como autor, é que tenho grandes expectativas com ONCE UPON A TIME IN HOLLYWOOD.
Quero deixar claro também que não acho o cara nenhum gênio. Apesar de gostar BASTANTE de 90% da filmografia dele, na minha opinião ele não fez nenhuma obra-prima 5 estrelas.
Na verdade ele não poderia nem ser citado em uma conversa que envolvesse nomes gigantes como PECKINPAH, LEONE, etc …
Mas na sua categoria ele é um grande diretor sim
Reposto a minha lista com as minhas cotações:
1) THE HATEFUL EIGHT (2015) – ****1/2
2) RESERVOIR DOGS (1992)- ****1/2
3) INGLORIOUS BASTERDS (2009) – ****1/2
4) JACKIE BROWN (1997)-****
5) PULP FICTION (1994)-****
6) DEATH PROOF (2007)-***1/2
7) DJANGO UNCHAINED (2012)-***1/2
8) KILL BILL THE WHOLE BLOODY AFFAIR-**1/2
E paro por aqui hehehe. Abraços.
Total acordo em relação a ele ser ou não um gênio. Reconheço a importância dele no cinema pós-anos 90, e acho um grande diretor dentro daquilo que se propõe a ser. Mas realmente não entraria numa lista de meus diretores de cabeceira… Abraço!