No meu último post, a lista dos meus filmes favoritos da década passada, o filme da quarta posição é do Spike Lee, A ÚLTIMA NOITE, com Edward Norton. Se eu tivesse feito essa lista há alguns meses, eu nunca teria colocado este filme aí, numa posição tão privilegiada… A verdade é que eu nunca dei muita bola para o Spike ao longo dos anos. Sem nenhum motivo específico, apenas não parava pra ver os seus filmes mais essenciais… Já tinha visto um ou outro, dos mais atuais, que achava entre bons e razoáveis (INSIDE MAN, ELAS ME ODEIAM, MAS ME QUEREM) ou pura bobagens (OLDBOY). Este ano, eu resolvi dar uma chance pro cara e, obviamente, minha relação com o cinema de Spike Lee mudou drasticamente.
Há poucos meses eu vi pela primeira vez MALCOLM X, FEBRE DA SELVA, MAIS E MELHORES BLUES, CLOCKERS, HE GOT GAME, etc, tudo uma maravilha! Revi O VERÃO DE SAM e A ÚLTIMA NOITE, este último não tinha gostado na época, mas no contexto atual já achei uma obra-prima do caralho, e por isso coloquei como um dos melhores filmes da década passada… Teve ainda seu novo trabalho, BLACKkKLANSMAN, que é sensacional. E obviamente, revi o que deve ser a sua obra-prima, FAÇA A COISA CERTA.
Esse eu sempre achei um grande filme, mas faziam uns quinze anos que não o via e acabei tendo a oportunidade de rever na tela grande. O lance é que eu comecei a ver os filmes do Spike sem ter a mínima ideia de que pouco depois o CCBB iria fazer uma mostra com o cinema do cara. Portanto, neste momento, acontece no CCBB em São Paulo, e acho que no Rio também, a mostra “Acorde! O cinema de Spike Lee“, um evento mais que obrigatório. Como tive que viajar a Vitória-ES no último feriadão, o único filme que vi até agora foi justamente FAÇA A COISA CERTA ainda nos primeiros dias. Retornei esta semana à minha rotina paulistana e agora vou correr atrás do prejuízo…
Sobre o FAÇA A COISA CERTA, é um filme que até hoje mantém força na sua análise certeira sobre as tensões raciais. A ação se passa no coração do Brooklyn, em Nova York, povoada por uma galeria de personagens racialmente diversificada tentando levar a vida em um dos dias mais quentes do ano, como anuncia o DJ local no rádio, interpretado pelo grande Samuel L. Jackson. A câmera de Spike nunca se aventura além dos limites estabelecidos do bairro, e qualquer elemento que adentre o território vindo de fora é visto com desconfiança. Isso inclui Sal (Danny Aiello) e seus dois filhos, ítalo-americanos que possuem uma pizzaria no local. Sal está ali há vinte anos e foi aceito como parte do bairro. Mas as tensões raciais estão fervilhando, à espreita, esperando a chance de deflagrar.
FAÇA A COISA CERTA é principalmente focado em Mookie (encarnado pelo próprio Spike Lee), um jovem negro que trabalha na pizzaria de Sal como entregador e é o personagem chave, por habitar em ambos os mundos. Ele é do bairro, mas trabalha para Sal. Isso não é lá um grande problema, mas aos poucos, à medida que o dia avança, os pequenos debates se intensificam, as pessoas sentem o calor do dia, e ficam mais incomodadas e intolerantes umas com as outras.
Buggin Out (Giancarlo Esposito) reclama que a parede de Sal, cheia de fotos de personalidades e famosos, não inclui nenhuma pessoa negra e promete um boicote. Isso cria um certo nível mínimo de tensão, é um começo. Em outro momento, Sal fica irritado com a Radio Raheem (Bill Nunn), que chama a atenção para si em todos os lugares que passa, com seu ultra potente rádio toca-fitas, que entoa o icônico refrão do Public Enemy, FIGHT THE POWER! O filho de Sal, Pino (John Turturro), é incapaz de manter seu racismo guardado e respinga ódio pra todos os lados; até Mookie entra na dança quando percebe que Sal está, aparentemente, dando em cima de sua irmã, Jade (Joie Lee). E por aí vai…
Vários outros pequenos estopins contribuem para um ambiente onde, dado o estímulo certo, pode ocorrer uma violenta explosão. Quando o caos se instaura, brilha o talento de Spike Lee, num dos momentos mais fortes do seu cinema. O ato final de FAÇA A COISA CERTA é um dos mais impressionantes que eu já vi. No início do filme é até difícil imaginar que o bairro está prestes a ruir, porque todos parecem se dar razoavelmente bem. E, no entanto, por mais assustador que seja o ato final, tudo evolui de forma natural a partir dos pequenos choques que vão acontecendo gradativamente nos primeiros atos, se intensificando cada vez mais. E é o que faz o roteiro de Spike algo tão magistral, a maneira como ele constrói seu filme num crescendo até de fato detonar a dinamite. E é principalmente, também, pela ambiguidade moral de Spike em não escolher lados. Em FAÇA A COISA CERTA, o ressentimento racial é profundo e inerente ao ser humano. A “mensagem” que martela no fim das contas é “faça a coisa certa“. E colocar essa lição em prática nem sempre é fácil. O filme é cheio de personagens que não conseguem “fazer a coisa certa”, e o resultado é violência, caos e morte.
Vale lembrar que quando Spike Lee surgiu em meados dos anos 80, não havia nenhum diretor negro em solo americano recebendo grandes atenções. Não estou dizendo que não haviam diretores negros, obviamente, e Charles Burnett, à frente de todos, estava aí para provar, já era um mestre do cinema independente. Mas foi Spike Lee que a mídia nomeou o grande porta-voz do Black Cinema americano. Até porque o discurso sobre questões raciais de Spike é trabalhado de uma forma muito frontal, sem ambiguidades. O que é um problema para a grande maioria dos diretores que não possuem sutilezas em tratar de certos temas, fazendo cinema panfletário da pior espécie. Mas Spike é uma exceção. Com um discurso direto e sem frescuras combinados numa estética radical, inovadora e autoral, a porrada atinge em cheio no espectador e não é muito difícil perceber o fascínio que seu cinema causa.
Portanto, fica a dica para quem mora no Rio ou São Paulo. Ainda dá tempo de conferir a programação da Mostra “Acorde! O Cinema de Spike Lee” e comparecer nas sessões para assistir a alguns filmaços do homem na tela do CCBB.
Melhor filme de negão que eu já vi. Melhor até que os Donos da Rua. Esse é atualíssimo e classicaço
Grande filme de Spike Lee esse filme passou varias vezes na TV Aberta na década de 90 ,hoje já está meio esquecido infelizmente ,trazendo um tema muito importante o racismo .. falando nisso caro ,Perrone ! você ouviu dizer que o diretor Steve MacQueen falou que o ” Brasil é o país mais racista do mundo ” que novidade que falou esse país é racista sim é e assim como tantos outros por esse mundo á fora são racistas também não só cor de pele,por etnias e também religião ,etc,etc.. mundo sempre foi assim e nunca vai mudar,um abraço de Anselmo Luiz.