SANGUE DE HERÓIS (Fort Apache, 1948); Classicline

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SANGUE DE HERÓIS é o primeiro filme da “trilogia da cavalaria” de John Ford – o segundo eu já comentei por aqui, LEGIÃO INVENCÍVEL – e é mais um dos grandes westerns do diretor e que veio em boa hora na sua carreira. Ford vinha de um desastre comercial com o belíssimo DOMÍNIO DOS BÁRBAROS, um de seus filmes mais intimistas, mas que o público não recebeu muito bem, e precisava agora desesperadamente de algum material que fosse resultar num sucesso comercial. E foi SANGUE DE HERÓIS que colocou Ford de volta ao topo.

Na trama, o tenente-coronel Owen Thursday (Henry Fonda) é um ilustre oficial da Guerra Civil que acaba tendo que assumir um posto em tempos de paz que não é lá muito da sua vontade. Para ser sincero, Thursday considera sua nomeação como o novo oficial comandante do Fort Apache, no Território do Arizona, como um insulto e deixa isso bem claro à todos ao seu redor.

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O território vive em problemas com os Apaches, cujo líder, Cochise, desenterrou a machadinha de guerra e leva seus guerreiros ao longo da fronteira com o México em protesto contra a corrupção de um agente indígena local que está mais interessado em vender uísque do que cobertores e comida decente. Como Thursday está ansioso para encontrar alguma maneira de conquistar a glória e sair daquele território o mais rápido possível, a missão de trazer Cochise e seu povo de volta à reserva o atrai.

Só que Thursday acaba se demonstrando um cabeça dura arrogante e um péssimo líder. Thursday não sabe nada sobre os Apaches e não está disposto a seguir o conselho de oficiais experientes, como por exemplo o Capitão Kirby York (John Wayne), e todos seus atos anunciam uma inevitável tragédia que se aproxima.

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Ford sempre gostou de misturar romance e comédia com o drama, mesmo em seus filmes mais sombrios, como RASTROS DE ÓDIO. E, muitas vezes, esses elementos funcionam surpreendentemente bem, tornando a parte trágica de sua obra ainda mais pungente. E é o que acontece em SANGUE DE HERÓIS, especialmente quando Thursday tem de lidar com sua filha, Filadélfia (Shirley Temple), que o acompanha nessa jornada. A garota se apaixona por um jovem tenente, mas o orgulhoso oficial se opõe ao casamento porque o rapaz é filho de um simples sargento.

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Fonda está excelente em SANGUE DE HERÓIS, resistindo à tentação de exagerar no personagem ou de interpretá-lo como um mero idiota. Seu Owen Thursday é um homem insolente, mas também é corajoso, mesmo tomando  decisões desastrosas. E Fonda dá a ele dignidade necessária para funcionar. John Wayne é o seu contraponto e mesmo não sendo protagonista entrega outro de seus belíssimos desempenhos. Assim como Thursday, o capitão York é um personagem complexo, dividido entre seu dever de obediência e lealdade ao exército, mas também à um código honra pessoal que o coloca em rota de colisão aos atos do coronel Thursday.

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SANGUE DE HERÓIS conta ainda com um ótimo elenco de apoio, habitual nos filmes de Ford, como Victor McLagen, Ward Bond e Shirley Temple, que foi uma das maiores estrelas mirins do cinema nos anos 30 e é a primeira vez que a vi num papel mais adulto.

E obviamente temos Monument Valley. Nos westerns de Ford pós-NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS, é impossível não falar de Monument Valley, cenário belíssimo que funciona como um personagem tão importante quanto os que os próprios atores vivem. Ainda no visual, em SANGUE DE HERÓIS o diretor de fotografia, Archie Stout, usou filme infravermelho (desenvolvido durante a guerra para uso militar) para obter efeitos surpreendentes. Era difícil para focar os atores, mas o efeito de contraste que dava entre o firmamento e as nuvens brancas explodindo no céu é de encher os olhos.

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Considerando a reputação de Ford em não ensaiar sequências de ação e desdenhar a ideia de planejar os planos das filmagens com antecedência, as cenas de batalha em SANGUE DE HERÓIS são admiráveis. Na verdade, a grande sequência de ação do filme acontece no final, quando todos os erros do coronel Thursday entram em sintonia com o seu desastre anunciado. Ford nunca se preocupou em criar sequências absurdamente espetaculares de ação, mas é justamente pela simplicidade, economia dos planos e improviso como elabora esses momentos que torna tudo tão eficiente e realista. A maneira como Ford filma o trágico destino de Thursday é de uma naturalidade desesperadora.

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O DVD da Classicline, que foi utilizado para conferir a obra, é bastante simples e não traz nenhum extra, mas a qualidade de imagem é impecável e dá para se deliciar com o trabalho visual de Ford. Preciso agora ver RIO GRANDE, também lançado pela distribuidora, para fechar a Trilogia da Cavalaria. Meu favorito ainda é LEGIÃO INVENCÍVEL, mas SANGUE DE HERÓIS também é mais uma maravilha desse diretor que possui incontáveis obras-primas do currículo.

2 pensamentos sobre “SANGUE DE HERÓIS (Fort Apache, 1948); Classicline

  1. Excelente artigo, Perrone.
    Eu também gostei muito de como a fumaça da poeira é usada 2x como elemento narrativo (e fiquei ainda mais impressiona de após ler aqui que Ford não costumava ensaiar/planejar cenas com antecedência — o cara tinha um domínio ninja).
    Obrigado
    Tungstênio

  2. Pingback: RIO GRANDE (1950) | dementia¹³

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