E eis que resolvi rever mais uma vez THE BEYOND este último fim de semana. Não é apenas o meu filme favorito do diretor Lucio Fulci, que considero um dos maiores autores do gênero, como é também a experiência de pesadelo definitiva no cinema, ou seja, do horror puro e cristalino em todos os sentidos possíveis. E não é lá muito fácil descrever o fascínio que tenho pela obra, a maneira como me impressiona a cada revisão. Mas a gente vai levando do nosso jeitinho de sempre…
THE BEYOND foi lançado no Brasil com o título TERROR NAS TREVAS e depois relançado como A CASA DO ALÉM, o que é estranho, já que o horror transcorre a partir de um hotel amaldiçoado e não de uma casa. O título original em italiano é L’ADILÀ, ou “o outro lado”, “o lado de lá”. Mas ainda tem um título mais longo: …E TU VIVRAI NEL TERRORE! L’ADILÀ. Nos Estados Unidos, o filme foi lançado primeiro como 7 DOORS OF DEATH, que foi bastante retalhado até o lançamento da versão definitiva: THE BEYOND, que é como eu gosto de chamar o filme mesmo.
THE BEYOND começa na Louisiana, em 1927, com o assassinato de um pintor acusado de bruxaria no tal hotel. Em seguida, pula para 1981, altura em que uma jovem que herdou este mesmo hotel está prestes a reformá-lo e reabri-lo. O local, no entanto, aparentemente foi construído em uma das sete portas do inferno! Coisas estranhas começam a acontecer, pessoas são acometidas por mortes violentíssimas, no fim surge uma horda de zumbis e o Além… Os motivos para a maioria desses acontecimentos, no entanto, permanecem um tanto obscuros e sem qualquer sentido. Mas se levarmos em conta a lógica de sonho que Fulci propõe aqui, então na verdade tudo FAZ sentido.
O que o diretor faz é trabalhar os elementos sobrenaturais de maneira que desafiam a compreensão racional, abandona as estruturas tradicionais de um enredo para desorientar e confundir o público, que se vê diante de um estado de sonho e de pavor irracional. E a grande sacada de THE BEYOND é justamente levar até as últimas consequências esta lógica. É um pesadelo filmado, a imprevisibilidade reina, a sensação é de que qualquer coisa pode acontecer e que tudo é inesperado. O importante é como toda a estrutura narrativa é solta, como o filme se preocupa apenas na imagem e em construir uma atmosfera de puro horror.
Eu sei, parece muito vago, muito abstrato… Na verdade, THE BEYOND até possui uma trama bem definida, mas é só um fiapo e Fulci não se interessa muito em desenvolvê-la nem se preocupa com a lógica, se o desencadeamento dos acontecimentos faz sentido… A chave é não fazer muitas perguntas, tal como nos comportamos nos sonhos. Durante essas horas de atividade cerebral, aceitamos o que está acontecendo, seja um pesadelo assustador ou um sonho divertido, mas raramente o questionamos. É assim que THE BEYOND deve ser visto. Por favor, não façam como o Roger Ebert…
O roteiro de Fulci, escrito com o grande Dardano Sacchetti, é, segundo o próprio diretor, “Uma sucessão de imagens impactantes, caóticas e sem um fio condutor muito claro“. Já no prólogo se percebe o que Fulci quer dizer com isso, com a imagem em tom de sépia, em movimentos de câmera que guia o nosso olhar para os detalhes enquanto a edição faz o encadeamento das situações: uma garota encontra um antigo livro com as profecias de Eibon, que falam sobre os sete portões do Inferno, os quais, quando abertos, libertarão o Mal sobre a face da Terra; o pintor que realiza seu trabalho num quadro mórbido retratando o “Mar dos Mortos”; e homens carregando tochas e correntes se aproximando do local.
Em seguida vemos as tais “imagens impactantes” que Fulci comenta, quando o pintor é espancado à correntadas, com cada pancada abrindo feridas enormes, mostradas em planos detalhes com direito a carne dilacerando e o sangue escorrendo para todos os lados. O sujeito é aprisionado pelos habitantes da cidade, ao mesmo tempo em que argumenta dizendo que o lugar foi construído sobre uma das sete portas do Inferno e que se o matarem não haverá como conter o Mal que ali vive. Claro que não adianta avisar: furiosos, os cidadãos pregam o sujeito na parede, com a câmera colada nos pregos penetrando nas mãos do coitado, e para finalizar corroem seu rosto com cal.
O filme segue em frente colocando diante dos nossos olhos alguns dos mais belos planos e quadros que o diretor já filmou na vida misturadas com as imagens mais surreais, abjetas e sangrentas que só poderiam sair da cabeça de Fulci e só o horror italiano poderia nos proporcionar. Cenas como a do encanador tendo os olhos arrancados por uma figura putrefata; o ataque das aranhas numa biblioteca, devorando a cabeça de um sujeito que não esboça qualquer reação; o cão que arranca a jugular de uma fantasmagórica personagem (se ela é um fantasma, porque uma morte tão sangrenta? opa! Sem perguntas!) e o final totalmente aloprado, quando os mortos de um hospital se levantam e perseguem os dois protagonistas, o médico vivido por David Warbeck e Catriona MacColl, que é a herdeira do hotel.
Fico imaginando as filmagens dessa sequência final. A coisa é tão nonsense, com os personagens e o espectador sem entender porra nenhuma do que está acontecendo, que a impressão, pelo seus desempenhos, é a de que nem os próprios atores faziam a mínima ideia do que estavam fazendo… Há um frame durante toda a ação final, que Warbeck e Catriona entram num elevador, depois de atirar em um monte de zumbis diversas vezes. Pouco antes das portas do elevador se fecharem na frente deles, é possível ver Warbeck começar a recarregar a arma e de repente ele olha para a câmera, ou talvez para o Fulci que devia estar ao lado da câmera, com uma cara do tipo “E agora?“. E Catriona começa a sorrir. A porta fecha.
É rápido, mas tudo isso é muito visível. E é difícil pensar que Fulci não percebeu na hora da filmagem ou na edição. Então, por que manter um frame desses? Por que não cortar antes? Eu acho que Fulci manteve isso como uma piscadela para o público. É como se ele dissesse “Hey, é apenas filme! É divertido. Não se preocupem!” Isso um pouco antes de um dos finais mais aterradores e melancólicos da historia do cinema de horror.
Mas são esses pequenos detalhes que eu amo em THE BEYOND. Outro bom exemplo é a ação final, a maneira como Warbeck, por exemplo, age pra cima dos zumbis no hospital. Quero dizer, o cara atira várias vezes em partes do corpo das criaturas sem resultado algum, para depois acertar um tiro certeiro na cabeça e perceber que o zumbi cai sem “vida”, como é habitual, certo? Mas, como num pesadelo muito perturbador, assim que aparece outro morto-vivo em cena, Warbeck repete toda a operação desde o início, desperdiçando chumbo antes do tiro certeiro na cabeça, como se não tivesse aprendido a lição… E isso acontece várias vezes!
Enfim, isso é THE BEYOND. Um filme obrigatório para os amantes deste tipo peculiar de cinema, no qual as coisas que acontecem não são governadas por ciência ou razão. O horror é puro e você nunca está seguro porque qualquer coisa pode acontecer, como um monte de aranhas devorando seu rosto e você imóvel sem fazer nada para impedir. Poucos filmes conseguem fazer isso com sucesso. THE BEYOND o faz à perfeição.
Pingback: THE VOID (2016) | dementia¹³
Eu tentei achar esse filme do grande Lucio Fulci em VHS procurando de locadora á locadora na época o máximo que consegui achar de para minha ridicula Videoteca é o filme “Manhattan Baby ” lançado pela Video Ban,eu só descobri o filme assistindo ele na amostra “Spaghetti Zombies” promovida pelo site “Boca do Inferno”, “Dementia 13”, “Nudo & Selvaggio” ,” Filmes para Doidos” e “Vá e Veja” entre os dias 19 á 27 de outubro de 2012,eu achei um dos melhores filmes de terror de todos os tempo como um final impactante nada do estilo convencional,desde então me tornei fã de Lucio Fulci ..pena que o nosso mercado de DVD ou Blu-ray não dá o menor valor para esse mercado italiano de terror ha tanto filmes bons que vieram da terra da bota pra serem lançado no nosso mercado de DVD & Blu-ray ,á Versatil bem que tentou mas do jeito errado esse filmes não eram para ser lançado em DVD-BOX é assim em Blu-ray como é lançado lá fora .. fazer o que o mercado brasileiro de DVD & Blu-ray já é coisa do passado,ate o mercado de VHS da um pau no mercado de DVD & Blu-ray ,pois se lançou tantos filmes naquela época e hoje essas companhias de distribuição covardes não lançam nada ..por isso esse mercado se acabou no Brasil e esperamos que o país não vá pelo mesmo caminho,um abraço de Anselmo Luiz e ótimo texto como sempre,Perrone!