O primeiro que enjoar das postagens com o Robert Mitchum vai ser a mulher do padre… Até porque depois que se mergulha de cabeça na obra deste estupendo ator fica difícil parar. É como um vício. Mas um dos bons, saudável, recomendável aos amantes de boas atuações. E, neste ofício, Mitchum foi um dos grandes… Quiçá o maior… Se cuida, Lee Marvin!
O RIO DAS ALMAS PERDIDAS foi o último que vi estrelado por Mitchum.
Dirigido pelo gênio Otto Preminger, o filme é um western de aventura que se passa durante a famigerada corrida do ouro do final do século IXX. O fazendeiro Matt Calder (Bob Mitchum), que vive em uma fazenda remota com seu jovem filho Mark, ajuda um casal que perde o controle de sua jangada num rio nas proximidades. Um deles é Harry Weston, um jogador profissional que está tentando chegar à cidade mais próxima o mais rápido possível para registrar uma reivindicação de uma mineiradora que ele alega ter ganho em um jogo de poker. Sem cavalo, achou que a melhor maneira era descer o perigoso rio de jangada… Junto dele, sua namorada, a bela Kay (Marilyn Monroe), uma cantora de salão.
Quando Calder se recusa a deixar Weston “pegar emprestado” seu único rifle e seu único cavalo para seguir viagem, o clima fica pesado entre os dois. O local é cercado de índios e é o rifle de Calder que protege ele e seu filho dos peles-vermelhas. Além disso, o cavalo é seu “instrumento” para arar a terra nas suas plantações… Mas, como sabemos, Weston precisa urgentemente chegar à cidade mais próxima. Demonstrando ser um grandessíssimo filho da puta, o jogador acerta a cabeça de Calder e parte montado no animal levando o rifle do protagonista embora. A trairagem foi tão grande que até Kay resolve ficar para trás.
Incapazes de se defender de um iminente ataque índio, Calder, seu filho e Kay só vêem na jangada e nas perigosas águas do rio o único meio de manterem a pele intácta. E assim, a aventura de O RIO DAS ALMAS PERDIDAS começa, com esse improvável trio tentando sobreviver às correntesas do rio com a jangada e aos eventuais ataques de índios. E só um pensamento que dá força a Calder nessa jornada: vingança.
Parece divertidão, não é? Uma montanha-russa em forma de filme de aventura. Pois é, o produtor do filme, Stanley Rubin, também achava que deveria ser assim. No entanto, O RIO DAS ALMAS PERDIDAS é bem mais complexo, intimista e reflexivo do que parece. E grande parte dessa lógica de aventura descompromissada se perde graças a Otto Preminger.
Na ocasião, Rubin achava que Preminger teria sido uma escolha equivocada. Queria alguém mais ligado a aventuras mais rotineiras, alguém que já tivesse dirigido western, algo que Preminger nunca tinha feito. Rubin queria mesmo o grande Raoul Walsh, que já era célebre por balancear filmes escapistas com um bocado de substância… Mas o chefão da Fox, o lendário Darryl F. Zanuck, precisava arranjar um projeto rápido para Preminger, porque já estava pagando um sálario astronômico na época de 2.500 dólares por semana com o sujeito trabalhando ou não. Preminger, a princípio, não queria saber muito de O RIO DAS ALMAS PERDIDAS, mas aceitou na boa após ler o roteiro e perceber que poderia explorar alguns conceitos, tanto estéticos quanto humanos com aqueles personagens. O que gerou certo desconforto entre Stanley Rubin e o diretor, que sempre teve fama de autoritário.
O RIO DAS ALMAS PERDIDAS realmente acaba por não ser um filme de grande aventura, mas não deixa de ter o caráter de grande filme. Entre as movimentadas e tensas cenas da descida pelo rio na jangada, temos vários momentos em que a história se concentra apenas no diálogo em volta de uma fogueira, nos dilemas que surgem durante a jornada e na construção das relações entre estes três personagens principais. O que prevalece são as magníficas atuações, especialmente de Mitchum e Marilyn, que têm uma química tão interessante quanto as sequências em que Calder atira em índios.
Mas Preminger gosta de brincar com essas questões de maneira inusitada, desconstrói totalmente nossos personagens e o filme vai ganhando força nesses detalhes. Em determinado momento, Kay está com as roupas completamente molhadas, tremendo de frio, e Calder arruma uma caverna para que ela possa se secar e tirar as vestes e a cobre com cobertores e a massageia para que fique quentinha, é uma cena tenra e em nenhum momento há qualquer entonação sexual. Tudo isso para, pouco mais tarde, Calder usar de força e violência para arrancar um beijo de Kay, claramente de forma abusiva, nunca deixando claro, afinal, se Kay estava se fazendo de difícil ou se realmente se sentiu violada por Calder. São cenas que mexem com as estruturas de uma relação e que desmonta um bocado as nossas noções e expectativas em relação aos personagens.
Calder acaba por ser uma figura das mais estranhas que Mitchum já viveu. Sua relação com o filho é exemplar e possui um senso de proteção paternal muito forte, além de ter os pés no chão em relação com a vida simples que leva. Mas ao mesmo tempo entra em conflito consigo mesmo por suas raízes de brutalidade que deixa sobressair em alguns momentos diante de um passado sombrio, do seu desejo de vingança, de sobrevivência e de tomar Kay para si. E Mitchum, como não poderia ser diferente, está simplesmente sublime no papel de Calder.
Mas também é impossível tirar os olhos de Marilyn, não apenas pela sua beleza, mas por fazer aqui um dos grandes desempenhos de sua curta carreira. Um fato curioso é que Marilyn também não estava muito interessada em fazer O RIO DAS ALMAS PERDIDAS, mas caiu na mesma situação de Preminger e por obrigações contratuais, acabou aqui.
Visualmente, O RIO DAS ALMAS PERDIDAS é um verdadeiro espetáculo. O que Preminger faz com as imagens, com os cenários naturais, a paisagem montanhosa, com a profundidade de campo, só poderia sair da visão de um grande mestre do cinema, como realmente era esse diretor ucraniano. Um dos pontos que interessou Preminger, ainda na parte estética, foi a possibilidade de trabalhar com a tela larga do CinemaScope pela primeira vez. As cenas que se passam na fazenda de Calder, por exemplo, é de uma beleza poética impressionante. E são momentos aparentemente burocráticos, mas que ganham força justamente pelas imagens que Preminger compõe na tela panorâmica (e pelo singelo momento entre pai e filho).
E O RIO DAS ALMAS PERDIDAS também entretem facilmente. As sequência na jangada são bem conduzidas para a época, a ação no ataque de índios é bem feita, e até um tigre Mitchum precisou encarar… Mas a grande força do filme é realmente a maneira como Preminger desenvolve seus personagens diante de uma situação extrema, o caprichado trabalho visual e, claro, as belíssimas atuações de Mitchum e Monroe.
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Bom dia. Caro amigo, você poderia, por favor, escrever sobre A RAPOSA DO MAR, A BATALHA DE MIDWAY, OS AMANTES DE MARIA e O EMBAIXADOR, todos também com Mitchum? Muito obrigado pela atenção e um forte abraço.
Vou postar hoje O EMBAIXADOR.
Esse filme eu assisti varias vezes na finada sessão de filmes legendados da TV Globo “CINECLUBE “, e toda vez que esse filme passava eu assistia ,assim como outros filmes que eram exibidos na extinta sessão de filmes da Vênus Platinada que saudade desta época em que á TV Aberta passava classicos como esse descritos hoje nesse blog que esta cada vez fantasticos.. principalmente agora colocando resenhas dos filmes do grande ator americano Robert Mitchum,esse filme não passa ha anos na TV e foi lançado em DVD .. ainda bem ,só assim para nós cinefilos podemos matar á saudade de assisti-lo quantas vezes nos quisermos.. eu não acho enjoativo escrever sobre um filme de um ator no qual nos o admiramos pelo o seu conjunto da obra pelo o contrario isso mostra que realmente o seu trabalho no mundo da setima arte não foi em vão.