ELES VIVEM (They Live, 1988)

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Comprei recentemente o primeiro volume de DVD’s da Versátil que traz alguns clássicos supimpas do cinema sci-fi, chamado justamente CLÁSSICOS SCI-FI Vol.1. E logo de cara  já mexem no meu coração apresentando ELES VIVEM, do bom e velho John Carpenter, no primeiro DVD da caixa… ai, ai…

Ainda não tinha saído por aqui em DVD, mas já vi e revi diversas vezes, inclusive depois de ter criado o blog, mas acabei nunca escrevendo coisa alguma sobre ELES VIVEM por achar que não tinha nada a acrescentar ao vasto número de resenhas que abordam o filme espalhados pelas internets. Ainda acho que não tenho nada a dizer, mas como acabei de rever, meus dedos coçaram e como o filme se revela mais atual como nunca, uns elogios a mais não vão fazer mal algum… ELES VIVEM merece, apesar de nunca ter sido um dos meus Carpenter’s favoritos. Tá lá entre os melhores dele, na minha opinião, mas não tem o fator nostálgico de um FUGA DE NOVA YORK, O ENIGMA DO OUTRO MUNDO ou OS AVENTUREIROS DO BAIRRO PROIBIDO, que fizeram parte da minha infância, ou a aura que tanto me fascina em FUGA DE LOS ANGELES, que muita gente despreza. Só fui ver ELES VIVEM depois de velho. Foi amor à primeira vista, evidentemente, mas sem o mesmo encantamento dos outros supracitados.

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Mas ELES VIVEM possui algumas peculiaridades que valem a pena ressaltar. Por exemplo, é o filme mais abertamente político do Carpenter. Todos os filmes do homem possuem um subtexto político por trás da diversão, mas aqui é gritante, é como um soco no estômago do sistema capitalista, um olhar ácido sobre a obsessão consumista da era Reagan, que deve ter deixado muito republicano enfezado… Se bem que esse tipo de gente é meio estúpida e deve ter visto o filme apenas como um simples sci-fi de ação. O próprio Carpenter dizia que o filme era uma crítica feroz ao presidente americano da época, o meu xará Ronald Reagan… Mas vamos deixar os polos políticos um pouco de lado antes que eu comece alguma discussão nesse sentido, me acusem de petista e tal… o que me dá uma preguiça danada. Até porque o Carpenter não defende lados, é um anarquista revoltado contra o sistema.

Da mesma forma que Nada, vivido pelo Wrestler profissional “Rowdy” Roddy Pipper, o protagonista de ELES VIVEM. Um andarilho desempregado que é a figura perfeita do outsider carpenteriano, que acaba em Los Angeles em busca de trabalho e uma vida melhor. Arruma um serviço mixuruca na construção civil, faz amizade com Frank (o grande Keith David) e arranja um lugar para encostar a cabeça à noite numa especie de acampamentos de sem-teto onde funciona um projeto social. E aqui, no mais improvável dos locais, o sujeito acidentalmente se depara com um mistério de proporções épicas, que envolve toda a humanidade.

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A pequena igreja nos arredores, que cuida do projeto social, é também a sede de um movimento de resistência militante que luta contra o governo. Nada descobre que o local funciona como um pequeno laboratório para a fabricação de lentes para óculos de sol aparentemente inofensivos, bem como equipamentos de transmissão para invadir um canal de TV a cabo local e soltar manifestos contra o sistema. Mas o nosso herói só descobre mesmo com quem e o que está lidando quando, após uma batida policial brutal que destrói o acampamento, foge levando consigo alguns pares de óculos de sol que sobraram no local. Ao colocar nos olhos o utensílio, lhe é revelado um mundo bem diferente do que ele pensava estar vivendo. E que criaturas de outro planeta têm escravizado a raça humana sem sequer estar ciente disto.

O fato é que um sinal irradiado pelos alienígenas em todo o mundo interfere com o cérebro humano e faz com que os nós vejamos aquilo que eles querem, ou seja, que os extraterrestres com uma cara medonha de horrorosa se pareçam com pessoas normais. Além disso, outdoors, placas publicitárias, jornais, revistas e programas de televisão são disfarçadas de mensagens subliminares, comandando o povo da Terra a “obedecer”, “consumir” e não “questionar a autoridade”, entre outras coisas… Com a ajuda de colaboradores humanos, os alienígenas realmente executam tudo isso às escondidas enquanto exploram o planeta por poder e lucro.

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E é nesse mundo recém descoberto, na verdade uma metáfora óbvia da nossa realidade, que Nada se vê diante. Caçado pela polícia, passado por um louco varrido por todos (que não podem ver o que ele vê através dos óculos), o sujeito decide fazer alguma coisa para acabar com essa farra alienígena… Mas o que um pobre coitado como Nada pode fazer contra uma conspiração extraterrestre de escala planetária?

O roteiro escrito pelo próprio Carpenter, sob o pseudônimo Frank Armitage, baseado numa história em quadrinhos que já era uma adaptação de um conto de Ray Nelson chamado Eight O’Clock in the Morning, de 1963, não mergulha profundamente nos elementos clássicos e convencionais da ficção científica. Prefere manter-se na superfície, de uma maneira palpável. O nosso herói é apenas um homem comum em busca de trabalho, não um cientista, um médico, jornalista ou militar de alguma base secreta, como acontece na maioria dos casos. E o sujeito é tão confuso com as revelações, em tentar salvar a própria pele e em lutar contra o sistema que simplesmente não tem tempo para perguntas. E Carpenter confia no seu público, sabe que não somos burros e permite-nos ver e descobrir o mistério da mesma forma que os personagens, quando a tela fica em preto e branco e a “realidade” oculta aparece. Na mesma lógica, toda a ideia de como os alienígenas dominaram a Terra, a formação de um movimento de resistência e como eles descobriram toda a conspiração não é nada explicado durante o filme, deixando tudo para o espectador preencher os espaços em branco por conta própria, o que torna o filme ainda mais fascinante.

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Pipper, por mais canastrão que seja é surpreendentemente simpático e convincente no papel de Nada. O personagem foi escrito, na verdade, para o queridinho do Carpenter, Kurt Russell, e até acho que teria sido mais interessante com ele, mas como o velho Carpinteiro já tinha feito filmes demais com o homem, achou melhor trocar de ator… E foi uma boa escolha, na minha opinião. Pipper tem presença física e tem o dom de criar frases de efeitos que não estavam no roteiro, como na sequência mais icônica no filme, a cena do banco, na qual o sujeito entra armado até os dentes e solta a impagável linha:

I have come here to chew bubblegum and kick ass… and I’m all out of bubblegum.

E o que segue a partir daqui é sensacional, com muitos tiros e alienígenas morrendo à sangue frio. Outro momento bizarro é a famigerada luta entre Nada e Frank, na qual o primeiro tenta convencer o outro a colocar os óculos. Dura uma eternidade e é motivo de várias críticas pelo exagero da duração, mas ter Roddy Pipper e não aproveitá-lo com suas habilidades de wrestler é o mesmo que ir no Burger King e não abusar do refil… E Carpenter, apesar dos pitacos e aconselhamentos, resolveu manter a sequência em sua totalidade. Particularmente, acho um espetáculo. E ainda há a cena final, o desfecho, a cereja do bolo, quando tudo se escancara para a raça humana e um alien sendo cavalgado por uma loura de topless solta um impagável “What’s wrong baby?” antes de subirem os créditos finais…

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ELES VIVEM é essa belezura toda, um filme divertido, com uma veia niilista, política ácida e contundente contra o capitalismo e consumismo americano irracional, mas contada como uma sátira simples, de fácil compreensão e com um senso de humor dos mais inteligentes. E nas mãos do Carpenter não deixa de ser um filme de ação da mais alta qualidade, mesmo com o orçamento relativamente modesto. Um exemplar que serve tanto para uma tarde de domingo acompanhado de pipoca e cerveja quanto um manifesto politico reflexivo e que continua atual.

Sobre a edição da Versátil, vale destacar a qualidade da caixa, com várias maravilhas do gênero, algumas esquecidas e prontinhas para serem redescobertas. Tem PLANETA PROIBIDO, FUGA DO SÉCULO 23, OS MALDITOS, O PLANETA DOS VAMPIROS e A AMEAÇA QUE VEIO DO ESPAÇO. Além de horas de extras. ELES VIVEM possui making off, comentários de vários sujeitos legais e entrevista com John Carpenter… Vale uma conferida.

5 pensamentos sobre “ELES VIVEM (They Live, 1988)

  1. Pingback: O PLANETA PROIBIDO (Forbidden Planet, 1956) – Clássicos Sci-fi Vol.1 | DEMENTIA¹³

  2. Belo resgate. Essa caixa parece sensacional. A 1ª vez que vi “Eles Vivem” foi em meados dos anos 90, num Corujão da vida. Nunca tinha ouvido falar e, pelos rumos da história, pensei se tratar de um filme-denúncia sobre pobreza, crise imobiliária, má-distribuição de renda, etc. Imagine minha surpresa com o desenrolar da trama…

    Ps: e a personagem ambígua da fabulosa Meg Foster merece uma menção honrosa!

  3. Para mim, este é o meu filme favorito de Carpenter. Roddy Piper fez uma excelente atuação. A cena da luta com Keith David é ainda longe uma das mais longas e violentas da história do cinema.
    Em alguns países europeus (nomeadamente França) este filme ficou com o título de “Invasão Los Angeles”. Em Portugal, Espanha e Itália é ELES VIVEM.

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