Se quando falei sobre MADIGAN foquei no início do filme, acho melhor começar pelo fim com essa análise e por isso esse texto tem vários spoilers. Começo com a sequência final de OS ABUTRES TÊM FOME e mais pra frente conto direito a estória. Enfim. Estamos no meio de uma invasão de um grande grupo de revolucionários mexicanos a uma base fortificada de interventores franceses no México (acho que nunca havia visto um filme com esse contexto histórico). Clint está do lado dos mexicanos, mandando para o saco todos os invasores da terra da “omelette du fromage”. Em determinado momento ele segura numa corda presa a um cavalo com uma mão e na outra acende uma dinamite. Ele toca o cavalo que avança arrastando Clint pelo chão, desviando das balas. O homem se solta, joga a dinamite num portão e depois de ter aberto a passagem corre enquanto balas ricocheteiam do seu lado. Coisa linda. Eu até tinha achado que tudo tinha acontecido no mesmo plano quando comecei a escrever mas depois voltei para rever a cena e notar os dois cortes rápidos.
Acho que aí podemos pensar um pouco sobre o que faz uma boa cena ou filme de ação já que em outros posts o Ronald ressaltou esse ponto da filmografia de Don Siegel, que eu não conhecia muito bem. Alguns pontos como trabalhar com uma profundidade de campo, planos abertos, respeitar os momentos dos cortes para que não interfiram com nosso interesse pela realidade do evento (coisas que André Bazin já falava em 1950 sobre NANOOK) são essenciais. Até gostaria de ficar falando mais sobre isso, mas já vi que ia enrolar demais. Quem sabe numa próxima. Mas o que fica de interessante sobre esse filme do Siegel é confirmar que toda cena de ação precisa ser construída e pensada para evoluir criativamente. Na maioria das vezes até dentro de um certo padrão. E é o tipo de coisa que raramente cansa os amantes do cinema de ação. A entrada furtiva, as explosões para confundir os inimigos, os tiroteios e no fim a trocação de sopapos e pontapés. Vários exemplares desse estilo seguem essa sequência e muitas vezes até nos decepcionamos se alguma coisa atrapalha o andar dessa carruagem. Siegel deixa ação fluir. Até há uma cena com uma metralhadora giratória que Clint usa para matar alguns soldados. E por pouco tempo, o que não deixa que esse artifício, por exemplo, canse pela repetição.
Uma pausa para fazer propaganda de THE STRANGER AND THE GUNFIGHTER, com o Lee Van Cleef e Lo Lieh, um baita filme. Na sequência de ação final Cleef prende uma dessas gatling gun em dois cavalos e sai se arrastando enquanto gasta munição. A temática desse filme também lembra a de ABUTRES. Um sujeito estranho ao terreno hostil dos desertos do velho oeste é auxiliado por um cara durão e ambicioso para alcançar seu objetivo. Em THE STRANGER o peixe fora d’agua é um mestre do kung-fu que precisa ler pistas tatuadas em bundas de prostitutas em busca do tesouro do tio. Em ABUTRES o enredo não é tão interessante mas a dinâmica de Clint Eastwood com Shirley MacLaine, que interpreta uma freira simpática a causa dos Juaristas, é muito boa. O roteiro ajuda muito porque sempre coloca-os em várias situações de tensão. O primeiro encontro dos dois acontece quando a Sister Sara do título, personagem de MacLaine, está prestes a ser abusada por três canalhas. Hoogan, o personagem de Clint, resgata a moça seminua e depois descobre que ela é uma freira por suas roupas. Ela está sendo procurada por uma tropa de franceses por ajudar os revolucionários. Os dois fogem e depois, a noite, acabam percebendo que tem o mesmo interesse: acabar com o forte que comentei no início, ele pelos tesouros ali guardados e ela por raiva dos “colonizadores”.
Coincidências a parte, é na virada da personagem de Sara que a coisa fica um pouco confusa. Vou estragar a grande surpresa do filme. Sara na verdade não é uma freira mas uma prostituta. Ela matou um oficial e por isso odeia o regimento. Não há uma noção humanitária que a motiva em punir os opressores. Pelo que entendi era isso. Outro ponto é que no começo do filme ela mente dizendo que ia três vezes por semana “ensinar línguas” para os franceses como freira e por isso ela sabe tanto sobre a base. Então economicamente seria vantajoso para o prostíbulo a instalação vizinha com aquele bando de soldados. Ou não? Se ela só estava sendo procurada, poderia fugir e ponto. O desejo de destruir a base francesa faz até mais sentido para uma freira já que elas geralmente se envolvem em conflitos, assim como padres e afins. Quando vi A MISSÃO fiquei pensando nisso. Nossa noção de religiosidade é tão bombardeada com escândalos de lideres religiosos e doutrinas absurdas que hoje é difícil fazer um filme com uma personagem com uma perspectiva solidária sem parecer piegas ou inverossímil. Achei engraçado o lance dela, por fim, ser uma prostituta. E tem o fato de que ela e Clint “precisarem” ficar juntos no final. Mas ia achar interessante se o filme fosse um percursor do gênero freiras badass e do nunsploitation. Sara é uma personagem feminina forte pra caramba.
Já o personagem do Clint é uma cópia do Estranho-Sem-Nome dos filmes do Leone. Não sei se posso chamar de cópia já que se trata do mesmo ator, mas gostaria de ver um pouco de variação num papel como esse interpretado por ele, um tempero que deixaria o personagem mais interessante. Sempre com a cara feita de pedra. Quem sabe um dia assisto PAINT YOUR WAGON para ver como ele e o Lee Marvin se saem num musical. Duas outras semelhanças com os westerns de Leone são as filmagens fora do lugar-comum do oeste americano e a trilha de Ennio Morricone. O filme foi gravado no México e vários membros da equipe são mexicanos. Quando li um pouco sobre esse tipo de realização bilíngue, no caso dos westerns italianos, fiquei interessado em entender um pouco mais como eram realizadas as filmagens. É algo que seria muito interessante de ver se naquela época os produtores se preocupassem com extras do DVD. Quanto a trilha de Morricone, assim como em qualquer filme em que compõe sua música, fica difícil não se empolgar com as variações e sons incomuns presentes nos temas e o uso dos leitmotivs. Tenho mais vontade de assistir EXORCISTA 2 por “Magic and Ecstasy” do que pelo próprio filme. Era alguém que merecia um documentário por décadas de trabalho.
Não me lembro de ter lido sobre esse filme em lugar algum, mas me surpreendi e gostei bastante. Talvez o filme não tenha um reconhecimento maior porque usa de várias fórmulas batidas de westerns e screwball comedies. Mas é tão bem encaixado, com bom ritmo e diálogos que a diversão é garantida. É o caso de 007. Eu acho que deveriam parar de fazer filmes de James Bond. Vinte e quatro filmes é muita coisa! Confundo as cenas e as tramas de vários deles (dá-lhe cena de esqui e mergulho). Mas bastou ver o trailer de SPECTRE para me empolgar. Amor e ódio a Hollywood. Agora, só não me venham refilmar AVENTUREIROS DO BAIRRO PROIBIDO, seus sanguessugas!
Gabriel Lisboa, além de eventualmente colaborar por aqui, edita o excelente blog Cine Bigode.
Pingback: ESPECIAL DON SIEGEL #29: FUGA DE ALCATRAZ (Escape from Alcatraz, 1978) | DEMENTIA¹³
Não sou muito fã de western ,pois me bate uma saudade de quando assistia com o meu falecido pai que deus o tenha em bom lugar ,que adorava esse filmes de western ( tanto os americanos ,quantos dos italianos ,ele não perdia um filme na TV ,embora ele já os tinha assistido no cinema .. mas ele sempre gostava de rever esses filmes ) esses filmes de bangue – bangue e esse era um dele eu assisti a primeira vez ele em 28/09/1981 na TVS ( atual SBT) na Sessão Premiada ,apresentada pelo Augusto Liberato quando filme ai para o comercial ele aparecia para fazer á ligação para os telespectadores saberem a palavra – chave e ganhar premios ao dize-la ,o filme passou muitas vezes na TV Aberta ,no SBT logico… se não me falhe á memoria acho que ele passou tambem na TV Record nas sessoes de filmes desta emissora.. mas isso nos anos 80 ,esse filme já não passa ha muito tempo na TV Aberta e esse outro filme ” THE STRANGER AND THE GUNFIGHTER ” passava no SBT na sessão de filmes intitulado ” Longa -Metragem Legendado ” como ” O Samurai e o Pistoleiro “.
Mesmo com essa nostalgia e saudade do pai, vale a pena ver um western de vez em quando… É um dos meus gêneros favoritos!