HIGH-RISE (2015)

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Assisti esses dias ao novo filme de um dos meus diretores atuais favoritos, o britânico Ben Weathley, se metendo a adaptar J.G. Ballard, com HIGH-RISE… O cara tá com moral. Na verdade, o produtor Jeremy Thomas tinha intenções de levar às telas essa adaptação desde sua publicação em 1975. Embora considerado na época um material praticamente impossível de filmar, a coisa quase rolou no fim dos anos setenta com o diretor Nicolas Roeg. Mas o projeto acabou não indo pra frente. A segunda tentativa de Thomas foi no início da década passada, quando o então jovem Vicenzo Natali chamou a atenção com CUBO (97) e quase lhe deram sinal verde para a realização… Mas também não aconteceu. Enfim, quarenta anos depois do lançamento do livro, finalmente Thomas conseguiu transformar seu projeto em realidade com o Ben Weathley assumindo a direção.

Weathley vem adquirindo certo prestigio no panorama atual com trabalhos que não têm receio de serem ousados e transgressores, como KILL LIST (11), SIGHTSEERS (12) e até o zoado e lisérgico A FIELD IN ENGLAND (13). Se não me engano, o sujeito possui coisas mais antigas na carreira, mas não vi ainda. Agora com HIGH-RISE, Weathley mantém certos interesses, especialmente em não fazer a mínima questão de agradar o público. Não é um filme muito palatável, mas é a produção mais abastada, ambiciosa, pretensiosa e com o elenco mais caro na qual Weathley já se meteu, o que torna as coisas um bocado diferente, em outro nível, pra pior ou para melhor…

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Tom Hiddleston, por exemplo, é um atorzinho em voga, aproveitando do sucesso de seu personagem Loki, nos filmes da Marvel, e até entrega por aqui uma boa performance na pele de Laing, um professor atormentado pelas tragédias da vida que se muda para o 25º andar de um bloco residencial de 40 andares, com design futurista e todo modernoso para o período. O filme se contextualiza na época em que o livro foi escrito, anos 70, com todas as características visuais e sonoras do período em todo seu resplendor. Franjas na testa, óculos de aro grosso e gola rolê não podem faltar…

Não demora muito e Laing começa a se enturmar com a moçada, especialmente com sua vizinha do andar de cima, Charlotte (Sienna Miller), uma mãe solteira com bastante apetite sexual, Wilder (Luke Evans), um documentarista de TV mulherengo, e outros moradores, que não têm, a princípio, nada do que reclamar das conveniências que o prédio oferece: academia, piscina, um andar inteiro que funciona como supermercado… Na cobertura, o apartamento mais luxuoso abriga a mente por trás do audacioso design do recinto, o arquiteto vivido pelo grande Jeremy Irons.

A partir desse cenário, HIGH-RISE começa a ensaiar uma parábola da velha e clássica pirâmide social do capitalismo dentro desse universo representado pelo bloco residencial. E a linha que divide pobres nos andares inferiores e os ricos dos pisos superiores acaba por ficar mais visível quando esse microcosmo começa a ruir. O supermercado apresentar uma escassez de produtos, a prioridade das entregas de abastecimentos começam a ir somente para os ricos dos pisos superiores enquanto os “inferiores” passam a ser atormentados por falta de comida e frequentes quedas de energia, além da falta de outros privilégios que a elite possui.

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Insatisfeito, Wilder, que vive num dos andares inferiores com sua mulher grávida e cheio de filhos, eventualmente lidera uma revolta contra os ricos dos andares de cima. E de uma hora pra outra, todo o senso de ordem se desintegra numa luta de classes simbolista. A coisa fica extrema, com a sujeira se acumulando nos apartamentos e corredores, pessoas ensandecidas destruindo tudo, até chegar num ponto onde o ódio, a violência e todo o tipo de depravação toma conta do local… E no meio disso tudo, temos Laing, enigmático, tentando sobreviver e manter a cabeça no lugar…

Analisando o contexto de HIGH-RISE pode até dar a impressão de que… sei lá, “chegou tarde“. Quero dizer, acho que a visão profética de Ballard teria rendido uma obra bem visionária se fosse realizada lá atrás, nas mãos do Roeg, na década de 70. Quem sabe com um David Bowie como protagonista…? Mas agora, em pleno 2016, essa parábola sobre uma sociedade distópica subjugada a um capitalismo enlouquecido já soa bastante batida e repetitiva, embora não deixe de ser componente atual da polarização de classes em quase todo o mundo, portanto, não deixa de ser relevante. Então foda-se esse parágrafo…

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Às vezes lembra um pouco a lógica do SNOWPIERCER, do Bong Joon-Ho, mas num prédio ao invés de uma locomotiva pós-apocalíptica, sem as sequências de ação e um bocado mais filosófico. Combinando a frieza de um Cronenberg (que já havia adaptado Ballard, em CRASH, e, vejam só, também produzido por Jeremy Thomas) com o típico humor negro britânico, Weathley até que se sai bem com HIGH-RISE. O cara consegue dar uma forma e visual com muita habilidade para um material no qual percebe-se a densidade da fonte e como realmente deve ter sido difícil transportar as ideias de Ballard numa linguagem narrativa de cinema (a maneira como o caos se instaura por aqui é um tanto abrupta, um processo gradativo faria mais sentido). Em todo caso, apesar das imperfeições, até porque é preferível errar tentando fazer algo diferente e deflagrador do que acertar fazendo a mesma merda de outras dezenas de produções por aí, o filme acaba por ter um poder visual incrível de encher os olhos, uma certa energia que me prendeu até o final e a montagem é simplesmente deliciosa. A cena em que toca uma versão de S.O.S. do ABBA já paga o ingresso. 

E só por causa disso vou postar um vídeo do ABBA aqui, porque eu gosto deles pra caralho.

4 pensamentos sobre “HIGH-RISE (2015)

  1. Pingback: FAVORITOS DEMENTIA¹³ 2016 – PARTE I | DEMENTIA¹³

  2. Essa história pode ser uma metáfora ao gnosticismo. Um demiurgo, que acha que é o deus absoluto, que cria um universo imperfeito.

  3. Concordo com os seus comentários. Acho que faltou um algo a mais para o filme ser tão empolgante quanto os trabalhos anteriores do diretor. Ainda assim é um dos destaques de 2016 até o momento e deve merecer até mesmo uma revisão. Destaque para a trilha sonora, para o visual e para uma cena de “queda em slow motion” que ilustra um dos cartazes do filme.

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