BONE TOMAHAWK acabou virando o mais novo “clássico cult de todos os tempos” dos últimos dois meses, o que na minha opinião é até bastante compreensível, pra não dizer que não acho um exagero. Só não sei se com o passar do tempo vai conseguir manter essa distinção. Tirando, evidentemente, o “de todos os tempos”. Mas tem tudo pra ser lembrado como um dos grandes westerns da atualidade. E é óbvio que por ser um western, gênero que tanto amo (e que neste ano inclusive já nos brindou com algumas pérolas, como THE HOMESMAN, de Tommy Lee Jones, e SLOW WEST, de John Maclean), além de ser estrelado por ninguém menos que Kurt Russell, BONE TOMAHAWK já seria filme a ser aguardado com boa vontade e sorriso no rosto. Mas acho que nem o espectador mais otimista podia esperar uma obra tão rara, brutal e fascinante. Especialmente vindo de um diretor estreante.
Eu já sabia de antemão que o filme era um híbrido entre western com horror. Mas esse detalhe eu não quis revelar ao meu pai, com quem assisti e que não teria feito se soubesse da verdade. O velho não assiste horror de maneira alguma… A não ser os clássicos da Universal ou da Hammer, que segundo ele são bonitos e não assustam. Mas botar para ele ver horror da atualidade – apesar da maioria perder feio em estilo e atmosfera em relação aos mais antigos, mas que possuem uma carga histérica de violência e sustos que botariam o velho pra correr – já é motivo para sair resmungando e borrando de medo. Uma mocinha medrosa… Mas enfim, por que eu tô difamando meu pai dessa maneira? Bom, não faço ideia, só sei que perdi totalmente o raciocínio…
Ah… acho que eu queria ressaltar que BONE TOMAHAWK possui esse lado obscuro, com elementos de horror bem definidos e violência gráfica extrema a partir de um certo momento da narrativa e isso tem muito a ver com o fato do seu diretor e roteirista, o estreante S. Craig Zahler, ter ganhado fama na área literária justamente por escrever os chamados westerns noirs, como A Congregation of Jackals, de 2010, e Wraiths of the Broken Land, de 2013. Ambos os livros ganharam um ilustre fã: o ator Kurt Russell. Zahler aproveitou-se disso, ficou amigo de Russell e resolveu escrever um roteiro para o eterno Jack Burton. Seguindo firme seu estilo, o resultado foi BONE TOMAHAWK, um projeto pessoal, feito com bastante cuidado e um orçamento bem apertado para os padrões atuais. Mas provavelmente por isso o filme consegue sair do encaixotamento hollywoodiano ganhando em originalidade, ousadia e transgressão. Razões pelas quais o filme teve um lançamento discreto nos cinemas e logo foi jogado para o mercado VOD.
A trama até que é bem simples. Na pequena cidade de Bright Hope, uma enfermeira, um ajudante do xerife e um prisioneiro são sequestrados no meio da noite por uma tribo chamada de “trogloditas”, que segundo o Seu Madruga, num episódio do Chaves, são indivíduos que falam muitos idiomas… Mas ok, aqui são retratados como canibais da idade da pedra, que vivem em cavernas e que pouca gente sabe ainda da sua existência. Esses cidadãos vieram atrás de Purvis (David Arquete), o tal prisioneiro, que alguns dias antes, profanou um cemitério troglodita, deixando-os bem chateados. Agora, o xerife do local, Hunt (Kurt Russell), junto com seu ajudante, o velho senil Chicory (Richard Jenkins), o dândi engomadinho John Brooder (Matthew Fox) e o marido da enfermeira, Arthur (Patrick Wilson), que está com a perna quebrada, formam um dos mais bizarros e inseguros grupos de resgate que eu já vi num western e encaram a jornada para recuperar os sequestrados das mãos dos trogloditas.
E, sério, apesar de corajosos e posudos, ao conhecer os quatro personagens ninguém acredita que ao final do filme eles vão obter sucesso na missão…
Obviamente o que torna BONE TOMAHAWK um filme cheio de interesses é justamente poder espreitar o trajeto desses quatro bravos aventureiros, perceber a peculiaridade de cada persona (o velho Chicory, por exemplo, tão melancólico e ao mesmo tempo tão cômico, e o xerife de Russell, que aproveitou o mesmo bigode do filme do Tarantino, é mais complexo do que aparenta, cheio de detalhes que o desconstrói do aparente badass tradicional). São quase 90 minutos acompanhando essa jornada, descobrindo mais sobre esses personagens lapidados lentamente diante dos olhos, acompanhado os diálogos que travam entre si, os obstáculos que encontram no caminho e percebendo a sensibilidade de Zahler em desenvolver figuras tão fascinantes, tão singulares… E é o tipo de cuidado que faz com que realmente realmente nos preocupemos com esses personagens. E quando o couro come de verdade, BONE TOMAHAWK também não é nenhuma decepção. O ato final é uma coisa linda de angustiante e brutal, quando o grupo finalmente encontra os trogloditas (cujo visual e características não vale a pena comentar pra não estragar as surpresas) e se depara com um verdadeiro inferno na terra. O filme se transforma no que poderia acontecer se o Ruggero Deodato, diretor de CANNIBAL HOLOCAUST, resolvesse fazer a sua versão de RASTROS DE ÓDIO, de John Ford. Fãs do cinema extremo vão se esbaldar…
Vale destacar algumas figuras curiosas marcando presença por aqui, como o grande Sid Haig logo no início, mas também Michael Paré, James Tolkan, Sean Young e alguns outros. O legal, apesar disso, é que Zahler não deixar essas participações se transformarem numa caça de fanboys querendo ver rostos conhecidos. As aparições tem tempo limitado na tela e logo depois o filme entra na jornada de missão de resgate e se concentra no que realmente importa.
BONE TOMAHAWK é mais ou menos por aí… Numa época em que muitos novos diretores de produções de gênero abordam seus trabalhos como uma piada sem graça em forma de homenagens, é muito bom ver um filme sério, sem bijuterias imagéticas, que não tem medo de assumir riscos e que preza por originalidade e subversão. O fato é que Zahler fez o filme que queria fazer. Há pouquíssima preocupação comercial, uma narrativa lenta que deixaria fãs de JOGOS VORAZES com úlcera no estômago, um tipo de humor ácido que me agrada muito, desdobramentos pouco ortodoxos e um grau de violência extrema que não se vê todo dia em salas comerciais. É bom ver, portanto, que o filme encontrou seu público, uma audiência que vai saber apreciá-lo bem mais que os das salas multiplex.
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Richard Jenkins recebendo algumas indicações de ator coadjuvante pelo filme.
É difícil não creditar esse filme como um dos melhores do ano em meio a tantas produções tímidas que temos. Sabe dosar o humor, desenvolver os personagens – apesar de serem extremamente diferentes do que estamos acostumados – e, ainda por cima, o horror se faz presente. Pensando bem, horror mesmo é a dor que aquele herói sente com a sua perna durante o trajeto. Que coisa! rs
Abraço amigo!
Feliz natal e ano novo, estarei lendo seus textos no ano que vem 🙂
http://cronologiadoacaso.com.br/
Também considero um dos melhores filmes do ano. Achei brilhante a ideia de fazer um faroeste com toques de horror. E não apenas a ideia, como a execução também, claro… Já recomendei para alguns amigos, hehe.
Achei sensacional os efeitos práticos utilizados no filme, e principalmente, os canibais… PUTA MERDA! Bem feitos pra caramba! Pra mim é o filme do ano até agora.
Em alguns detalhes o filme me lembrou um faroeste dos anos 70 dirigido pelo Robert Aldrich chamado Ulzana’s Raid.