ESPECIAL DON SIEGEL #13: O SÁDICO SELVAGEM (The Lineup, 1958)

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Dez anos antes de estrelar o melhor filme que existe no universo (TRÊS HOMENS EM CONFLITO, de Sergio Leone), Eli Wallach estreava na tela grande com BABY DOLL, de Elia Kazan. O ego inflou, o sucesso lhe subiu a cabeça, e quando foi contratado para viver o gangster psicopata Dancer, em THE LINEUP, ficou aborrecido por seu segundo filme ser um crime movie aparentemente rotineiro, um passo atrás em relação ao seu prestigioso debut. No entanto, estamos tratando de um filme de Don Siegel e talvez Wallach não soubesse do que o homem era capaz de fazer. O fato é que aos poucos, enquanto as filmagens iam acontecendo, o ator percebeu a profundidade e complexidade do personagem que estava compondo e passou a ficar mais simpático ao projeto.

O que não dá pra classificar como simpático é Dancer, seu personagem, um assassino frio que não hesita em matar à sangue frio suas vítimas indefesas, não tem piedade ao jogar um sujeito de cadeira de rodas do alto de uma sacada ou apontar seu revolver para uma criança. Tanto é que o título nacional ignorou totalmente o que seria a tradução do original e meteu um O SÁDICO SELVAGEM, que faz referência à figura que Wallach interpreta.

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Mas o filme não é só Wallach. THE LINEUP é baseado num seriado policial de mesmo nome que passou na TV americana entre 1954 a 1960. Apesar disso, Don Siegel dizia que o título deveria ter sido alterado porque esta versão cinematográfica pouco teria a ver com os episódios da série, que eram focados na burocracia processual das investigações de crimes e etc, e Siegel queria centrar as suas atenções apenas na ação de Dancer e mais dois bandidos numa trama de contrabando de drogas. Por imposição do estúdio, o roteiro teve que ter sua parcela de investigação policial, incluindo até um dos atores da série, Marshall Reed, que vive o inspetor Asher.

A trama de THE LINEUP acaba se dividindo, portanto, em duas partes. A primeira, com o tal inspetor e seu parceiro tentando desvendar um crime misterioso, que envolve o tráfico de drogas internacional realizado de maneira inusitada. O entorpecente é trazido escondido dentro de objetos que turistas desavisados compram em suas viagens ao exterior, especialmente países orientais, sem ter a mínima noção de que estão servindo de mulas. Quando chegam em solo americano, a bagagem é roubada e a muamba recuperada pelos traficantes.

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Uma dessas tentativas de reaver a droga dá tudo errado, a polícia entra em cena e fica complicado para os bandidos continuar no mesmo esquema. É aí que começa a segunda fatia de THE LINEUP, na qual o gangster Dancer – com seu mentor, Julian (Robert Keith) e o motorista de fuga, McLain (Richard Jaeckel) – precisa entrar em ação, descobrir quem são as mulas e recuperar o material. Simples e limpo, com Dancer demonstrando ser realmente sádico no modo de agir, mas durante a missão a coisa foge de controle e o filme termina com uma baita perseguição de carros pela cidade.

Uma das coisas que me fascina em THE LINEUP, e que de certo modo é ousado, é que não há nenhum personagem pelo qual o público tenha afinidade. Os detetives são do tipo hard-boiled habitual do cinema noir, mas sem muita alma. Acaba por ser Dancer, mesmo com sua inclinação para o mal, por quem torcemos nessa jornada. Não chega a ser afinidade, obviamente, mas é um personagem que gera certo fascínio, queremos acompanhar seu passos, especialmente com a magistral performance de Wallach e as nuances da relação estabelecida com Julian. Nota-se claramente o vigor de Siegel na construção desta segunda parte do filme, que era realmente o que interessava ao diretor.

Coisas que se percebe num filme do Siegel… Dancer e Julian adentram a casa de uma das “mulas”, uma mulher e sua filha de uns dez anos, que acabaram de voltar do Japão, e precisam examinar uma boneca típica japonesa onde supostamente está escondida a droga. E Julian, sob o olhar fixo da menina à sua frente, enfia o dedo por debaixo da saia da boneca, vasculhando todos os recantos, numa conotação extremamente, digamos, perigosa para a época…

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Mas uma das coisas que marca este trabalho de Siegel não tem muito a ver com conotações polêmicas, mas sim a tal perseguição no clímax. Alguns anos antes de BULLITT (68), OPERAÇÃO FRANÇA (71) ou THE SEVEN-UPS (73), THE LINEUP pode se orgulhar de ter, simplesmente, a primeira GRANDE sequência de perseguição de carros em alta velocidade do cinema. E é espetacular a maneira como a sequência é montada, com os veículos realmente queimando pneu pelas ruas de San Francisco misturada com tomadas dos atores dentro do carro em frente à uma tela de projeção, num trabalho fantástico de edição, movimentos de câmera, dublês, som, e, como dizia Siegel, com a sorte de que ninguém morreu nas filmagens. A sequência termina numa freeway inacabada, onde Siegel aproveita para criar alguns dos planos mais belos que já filmou.

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Infelizmente, o filme não foi muito bem nas bilheterias. Siegel diz que foi culpa dos produtores que insistiram por manter o mesmo título da série: “(…) ninguém iria ao cinema para ver aquilo, porque imaginaria se tratar apenas de uma amplificação do seriado de TV”, diz o diretor. No entanto, o filme foi ganhando força ao longo das décadas e qualquer interessado em film noir e crime movies clássicos, ou até mesmo os fãs de Wallach, uma hora ou outra terá que encarar THE LINEUP. E não vai se arrepender.

3 pensamentos sobre “ESPECIAL DON SIEGEL #13: O SÁDICO SELVAGEM (The Lineup, 1958)

  1. Aplausos para Versátil que tem relançado velhos clássicos do cinema noir, até então inacessíveis para os cinéfilos. Parabéns!
    Deraldo Mancini

  2. Baita resenha Ronald, com certeza vou conferir. Há um mês atrás, quando assisti vários filmes do Siegel na sequência, realmente deixei escapar este aqui. Ao que tudo indica, nesta segunda parte do filme, acompanhando os bandidos, o diretor começa a trabalhar então com elementos que iria aprofundar em THE KILLERS.

    • Exatamente, Marcelo, inclusive com alguns elementos que ele anteciparia aqui e que voltaria a usar em THE KILLERS, como o revolver que o Wallach carrega dentro de uma maleta, da mesma forma que Lee Marvin fazia no filme de 64.

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