E eis que Don Siegel resolve fazer um filme meio biográfico de uma das figuras criminosas mais fascinantes da história americana, Lester J. Gillis, mais conhecido por seu apelido, Baby Face Nelson. Tal fascínio é menos por uma eventual identificação do personagem com o público – o cara era um psicopata desprezível – e mais pelas possibilidades de um estudo de personagem cheio de características dramáticas e psicológicas e pelo momento histórico rico em detalhes. E a visão de Siegel sobre o sujeito em BABY FACE NELSON não poderia ser diferente: crua, revisionista e extremamente brutal.
Crua porque Siegel é econômico, só filma o essencial para extrair o que precisa desta autópsia do personagem, além do orçamento da produção não permitir algo mais extravagante; revisionista porque o diretor está pouco se lixando para os fatos e dá a sua versão da história; e brutal porque Siegel não tem receio em mostrar Baby Face do jeito que ele o imagina, um assassino frio e arrogante que mata por qualquer motivo e deixa um rastro de sangue por onde passa.
O recorte que o roteiro faz da vida de Baby Face – e que mais uma vez Siegel conta que teve que se intrometer (“O motivo pelo qual BABY FACE NELSON teve um desempenho tão bom foi porque jogamos fora todo o roteiro original“, segundo as palavras do diretor) – apresenta o personagem título já como um criminoso, saindo da prisão e retornando, sem pestanejar, ao universo do crime. Primeiro com outro famoso gangster do período, Rocca, depois no envolvimento com o bando de John Dillinger, até começar a agir sozinho (embora sempre em companhia de Sue, sua garota) e acabar cravado de balas pela polícia.
O mais legal é que durante todo esse percurso, Siegel não toma partido ou faz julgamentos moralistas e nunca condena Baby Face pelos seus atos. Ao mesmo tempo, tem sensibilidade suficiente para não vangloriar em momento algum o criminoso, o que o torna ainda mais humano, mais real.
É evidente que ajuda muito ter um Mickey Rooney no papel título, que sempre foi um grande ator, mas parece ter literalmente nascido para viver Baby Face no cinema. Siegel conta que Rooney foi uma das pessoas mais difíceis com quem trabalhou – o ator também era um do responsáveis pelo projeto existir e achava que poderia mandar e desmandar no que quisesse – mas todo o seu trabalho de atuação justifica qualquer problema atrás das câmeras. Curioso até mesmo as peculiaridades de Rooney com Nelson, que recebeu o apelido Baby Face pela sua pequena estatura e as feições de garoto, e que muito da brutalidade e arrogância que demonstrava naquele universo era derivado de um sentimento de inadequação pelo seu físico e, por isso, precisava sempre provar alguma coisa (uma das cenas que reflete um bocado essa ideia mostra Baby Face compadecendo e liberando um refém com vida depois de um assalto porque o sujeito era tão baixinho quanto ele). É bem provável que Rooney tivesse os mesmos conflitos consigo durante sua carreira de ator.
BABY FACE NELSON foi rodado em apenas dezessete dias e mesmo assim Siegel realiza um trabalho impecável, seja filmando tiroteios e perseguições, na elaboração visual de determinados enquadramentos (o trabalho com sombras é fantástico), ou deixando Rooney brilhar no seu espetáculo performático, especialmente quando contracena com Carolyn Jones (a Mortícia do antigo seriado Família Addams), que interpreta a bela Sue.
Mas a coisa fica mesmo antológica no desfecho e na ação que antecede, não por ser apenas um final relativamente épico e forte, com uma perseguição de carros em alta velocidade e que culmina com Baby Face baleado num cemitério implorando para que Sue termine com seu sofrimento, mas pelo desafio que foi realizar tudo isso, já que o dinheiro para as filmagens havia acabado e Siegel conta que filmou com uma economia extrema: “Fiz 55 tomadas – e não foram tomadas fáceis. Cada uma foi literalmente feita como se eu estivesse montando o filme“. O resultado é fantástico!
Embora a recepção de alguns críticos da época tenha sido negativa, reclamando da imparcialidade de BABY FACE NELSON, o filme foi muito bem de bilheteria. Hoje não é muito lembrado, se não me engano nunca teve um cuidado de restauração ou foi lançado em DVD. Mas deveria. Não é ainda um trabalho essencial de Don Siegel, seu estilo para esse tipo de filme ainda iria obter resultados melhores, como em THE LINEUP, THE KILLERS, MADIGAN, mas não deixa de ser um filmaço, além de ter um dos maiores desempenho da carreira de Mickey Rooney.