É interessante um filme como A RUA DO CRIME na filmografia de Don Siegel logo após um clássico como VAMPIROS DE ALMAS. A história é “menor”, o orçamento continua curto, mas percebe-se claramente um sujeito bem mais maduro como diretor no trabalho visual, na decupagem, na direção dos atores, na dosagem do drama e até mesmo metendo o bedelho no roteiro. Foi escrito por Reggie Rose, que também é o autor da peça na qual o filme se baseia. Siegel conta em entrevista que fez várias modificações no material de Rose, colocando em risco a relação entre eles, mas que eram, de acordo com ele, “absolutamente necessárias do ponto de vista cinematográfico.“
Nas primeiras imagens do filme, Siegel demonstra evidências de sua maestria, apresentando duas gangues que se preparam para um confronto. A câmera econômica só enquadra o essencial para criar um clima de tensão antes de deflagrar a ação, que é filmada com realismo e de forma brutal, enquanto os créditos aparecem na tela. Como disse no post anterior, Siegel filmava bem pra cacete!
Na trama, um dos membros dos Hornets, a gangue de rua que protagoniza o filme, puxa uma arma em determinado momento e um vizinho, Sr. McAllister, resolve dedurar à polícia, mandando-o para a prisão. O líder dos Hornets, Frankie (o futuro diretor John Cassavetes), decide fazer algo que a gangue nunca havia feito antes: matar o dedo-duro. A maior parte da gangue se recusa a participar, exceto o sorridente Lou (o também futuro diretor Mark Rydell), e o caçula do grupo, Baby (Sal Mineo), desesperado para se encaixar na gangue. Enquanto isso, um assistente social, Wagner (James Whitmore), começa a perceber que alguma coisa está acontecendo e tenta se intrometer nos assuntos de Frankie.
Sim, A RUA DO CRIME segue a linha dos filmes sobre delinquentes juvenis que surgiam aos montes neste período do cinema americano. Esse “movimento” teve alguns pontos altos: vários filmes B que exploravam a violência – camuflada de crítica social para evitar a censura, mas que não passavam mesmo de exploitations e por isso mesmo tão divertidos; outros exemplares realmente estavam interessados em fazer um retrato da realidade, como o clássico de Nicholas Ray, JUVENTUDE TRANSVIADA. Teve seus pontos baixos também: o “desfecho” do subgênero foi meio ingrato com aquela cafonice chamada WEST SIDE STORY, de Robert Wise e Jerome Robbins, que até possui defensores, mas nunca consegui gostar… O filme de Siegel tem mais a ver com o do Ray. Ainda bem.
Claro que ajuda muito o fato do elenco ser afiado, composto por muita gente talentosa e que participou da peça original. E em alguns momentos, o filme até parece depender um bocado de Cassavetes, que está mesmo magistral, explosivo, de uma intensidade impressionante e é impossível desgrudar os olhos da tela quando está em cena. Mas também é resultado de um trabalho seguro do diretor. A sequência final, em que Cassavetes abraça seu irmão, é um bom exemplo dessa combinação. Melodramático, mas visceral e forte, de deixar qualquer marmanjo com os olhos lacrimejando.
A RUA DO CRIME é uma das mais belas surpresas nessa peregrinação pela obra de Siegel.