REBELIÃO NO PRESÍDIO é o primeiro grande e significativo filme que Don Siegel realizou até então e que justificaria a sua presença entre os maiores diretores americanos de sua geração. Tá certo que o filme não é tão comentado atualmente e o próprio diretor fez outros trabalhos melhores depois, mas o que quero dizer é, mesmo que Siegel tivesse encerrado sua carreira por aqui, seu nome já teria certa relevância na história do cinema.
Estamos falando de um corajoso e realista retrato sobre o sistema carcerário americano do período. Mas REBELIÃO NO PRESÍDIO possui mais um outro “autor”, o produtor Walter Wanger, que teve motivos pessoais para estar a frente de um filme assim. O sujeito passou um curto período no xadrez após pegar sua esposa com a “boca na botija” com outro homem e, sabem como é, o cara deu uns tiros e, embora não tenha matado o Ricardão, foi o suficiente para o produtor parar atrás das grandes por quatro meses. O suficiente, também, para inspirá-lo a realizar uma obra que mostrasse como a coisa estava realmente áspera nessas plagas.
Wanger precisaria obviamente de um diretor que tivesse colhões de subir à bordo no projeto, no qual incluía filmagens em locações reais, numa prisão de verdade, com presos reais atuando como figurantes. Bem, são poucos os diretores que eu vejo assumindo essa responsabilidade, mas com certeza Don Siegel é um deles.
A trama é formidavelmente simples, o que no caso do Siegel é um bom sinal. Prisioneiros do bloco 11 de uma penitenciária resolvem demonstrar sua insatisfação pela maneira como são tratados. Tomam os guardas do setor como reféns, instauram uma rebelião e travam uma batalha tanto física quanto moral para conseguirem uma série de reivindicações.
A partir desses acontecimentos, Siegel vai escavando o sistema penal americano do período, atento a cada detalhe, que vai desde a situação precária dos presos às condições de trabalhos dos guardas. Quem assume o ponto de vista, na maior parte do tempo, são os prisioneiros amotinados, mas os guardas são retratados como indivíduos cansados e mal pagos, e o diretor da prisão um sujeito com um enorme problema nas mãos. Não há vilões nessa história, mas não faltam vítimas por aqui. Além disso, REBELIÃO nunca é tratado como uma crítica padrão ao sistema penal americano, muito menos vangloria o ato de fazer uma rebelião, é simplesmente um olhar visceral, seco e realista de um tema que até hoje, pelos vistos, ainda merece atenção.
Uma das grandes forças de REBELIÃO é o trabalho de direção notável de Siegel, que manuseia todos os elementos visuais e narrativos à sua disposição em prol de um registro quase documental. O diretor passou dezesseis dias filmando na penitenciária de Folsom, na Califórnia, e a maneira como sua câmera se relaciona com os espaços é crucial para o efeito realista. Seja nos corredores apertados das alas da prisão, onde ilustra o desespero claustrofóbico do ambiente, seja no pátio aberto onde explodem alguns dos confrontos mais barra-pesada do filme.
O elenco formado com atores não muito conhecidos também contribui bastante nesse sentido documental, realista… basicamente character actors, que o estúdio empurrou à produção julgando se tratar de um filme sem importância, mas que ganham uma oportunidade aqui para brilharem, especialmente Neville Brand, o prisioneiro líder da rebelião, que compõe perfeitamente a galeria de personagens tipicamente “siegueriano“. Além disso, a figuração composta por verdadeiros encarcerados eleva a lógica de realismo ao extremo.
É claro que se formos comparar a situação atual de alguns sistemas carcerários, a prisão do filme soa como um hotel cinco estrelas. O que pode tirar o impacto dos tais maus-tratos que ocorrem por aqui. “Reclamam de barriga cheia“, alguém pode pensar dos presos. Nada que uma consciência contextual não resolva. Sistemas carcerários, de um modo geral, são uma porcaria em todo lado do mundo e se tem piorado cada vez mais é porque não conseguiram impedir o avanço da deterioração deste sistema ao longo das décadas, algo que Siegel e Wanger apontavam há mais de meio século. Não estou dizendo, obviamente, que um filme deveria ser responsável por “mudar o mundo”, aliás, filme nenhum tem essa capacidade e por isso me distancio cada vez mais desses filmes pretensiosos com suas mensagens edificadoras, blergh! Mas o que Siegel faz aqui é um grande trabalho, ousado e original para o seu tempo, e expõe, de quebra, uma realidade social que perdura até hoje.
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