ESPECIAL DON SIEGEL #4: ONDE IMPERA A TRAIÇÃO (The Duel at Silver Creek, 1952)

Primeiro filme colorido da carreira de Don Siegel e, mais importante, seu primeiro western. Tá certo que o diretor nunca chegou a fazer uma obra-prima do gênero, mas seus esforços sempre renderam excelentes exemplares, como OS ABUTRES TÊM FOME (1970) e O ÚLTIMO PISTOLEIRO (1976), que marca o encerramento da carreira do maior ator de faroeste de todos os tempos, John Wayne. Se formos considerar O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS (1971) como um western, aí é outra história… Mas talvez a maior contribuição de Siegel no gênero tenha sido a de mentor de dois cabras porretas, Sam Peckinpah (seu assistente por muitos anos) e Clint Eastwood, o que o coloca merecidamente no panteão dos grandes mestres do faroeste.

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Mas antes de chegar na parte boa precisamos passar por ONDE IMPERA A TRAIÇÃO, e aí estamos tratando de algo ainda rotineiro, longe de ter a identidade de Siegel. É mais um projeto que o diretor não conseguiu levar a sério por conta da má relação com seu produtor e pelo roteiro que não era dos melhores. Seu superior ainda lhe negava uma certa liberdade e o restringia de informações, “(…) entrei no filme sem saber se seria Steve McNally ou Audie Murphy que ficaria com a garota”, reclama Siegel numa entrevista. Por falar em Audie Murphy, o filme parece ser mais um veículo para o ator, que era ídolo do momento em determinados círculos, mas que não tinha nada do perfil físico do personagem “siegueriano”.

Murphy é The Silver Kid, um jovem bom no gatilho que chega à cidade de Silver Creek em busca de vingança pelos assassinos de seu pai. Trata-se de uma quadrilha de grileiros que toma posse, à base do chumbo grosso, de terras que já possuem donos. Na cidade, Kid é recrutado por um xerife que há tempos procura acabar com a festa dos bandidos. O restante do enredo é o mais previsível e clichê possível, mas a curta duração e a movimentação intensa dos personagens mantém a atenção. Na maior parte do tempo é um filme comum em comparação com os b-westerns do período, mesmo com Siegel dando seu toque especial em alguns momentos, mas é o que torna a sessão um pouco mais interessante ao espectador mais atento.

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Um bom exemplo disso é a cena em que Opal Lacy (Faith Domergue), irmã do líder da quadrilha, assassina um capanga ferido que provavelmente iria abrir o bico em algum instante. Com toda frieza do mundo, ela se finge de enfermeira, espera todos saírem da sala e estrangula o sujeito com seu próprio lenço. E a câmera de Siegel é implacável, mostrando apenas o essencial. Faith se destaca com sua personagem, ambígua e mortal. Faz o xerife se apaixonar por ela só para mantê-lo longe dos negócios do seu irmão e o homem da lei cai como um patinho. Uma perfeita representação da femme fatale no faroeste. E o filme ainda possui uma narração em off  que é outro elemento que aproxima ONDE IMPERA A TRAIÇÃO do film noir.

Vale destacar também a cena em que Murphy faz um rápido duelo com ninguém menos que Lee Marvin, em início de carreira, fazendo uma pequena participação. Marvin voltaria a trabalhar com Siegel no ótimo THE KILLERS (64). A sensibilidade de Siegel já aparece aqui em cenas como este duelo e outras ocasiões onde há balas cuspindo de revólveres. A ação final, no grande clímax, por exemplo, é uma boa demonstração de noção de espaços, de arquitetura da ação, enquadramentos, ritmo, montagem, enfim, o cara já sabia o que fazer com a câmera como poucos diretores do gênero de sua época.

Não consideraria ONDE IMPERA A TRAIÇÃO um filme obrigatório. Mas acho que é um bom exemplo de filme de processo, onde Siegel o utiliza como laboratório para dar prosseguimento – iniciado em THE BIG STEAL – ao estudo de alguns dispositivos que fizeram-no um dos grande diretores de ação de sua geração.

2 pensamentos sobre “ESPECIAL DON SIEGEL #4: ONDE IMPERA A TRAIÇÃO (The Duel at Silver Creek, 1952)

  1. Esse caldo ainda deverá esquentar.
    É interessante observar no especial a progressão da filmografia do Siegel através das diferentes décadas. Tenho a impressão que a coisa fica BOA mesmo mais alguns anos adiante.

    Interessante também estes comentários dos bastidores, pelo jeito o homem não era muito fã de produtores hahaha.

    • O primeiro GRANDE filme do Siegel já está pertinho, que é o RIOT IN CELL BLOCK 11, um filme de prisão revolucionário… mas é a partir dos anos 60 que é só filmaço atrás de filmaço, com algumas exceções.

      E sim, o sujeito só ficou mais tranquilo quando se tornou produtor de seus próprios filmes… hehe

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