A primeira coisa que me chamou a atenção nesta obra do grande mestre espanhol do exploitation europeu, Jesús Franco, foi a presença e atuação do próprio diretor no papel principal. Eu já vi muitos filmes do Franco em que ele se coloca em pequenos papeis, personagens sem muita importância, para compor elenco, mas aqui em O EXORCISTA DIABÓLICO é a primeira vez que o vejo numa tentativa de criar um personagem com um maior destaque dramático e o resultado me impressionou muito.
Creditado na equipe de elenco como Jess Frank, o sujeito interpreta Mathis Vogel, um atormentado ex-padre, que fora excomungado por diversos motivos não muito agradáveis. No meio de algumas subtramas, o filme segue quase que exclusivamente seus passos numa jornada religiosa na qual sua missão é matar mulheres que julga imorais, acredita estarem possuídas pelo tinhoso, para livrar suas almas do pecado e da perdição eterna. Ou seja, é um bom sujeito esse Vogel, não?
Trabalhando numa revista sadomasoquista, como escritor de contos sobre o assunto, Voguel acaba descobrindo que seu editor faz parte de um grupo que promove rituais satânicos. O problema é que, na verdade, o grupo não passa de pessoas da alta sociedade entediados com suas vidas e que se reúnem para encenações de rituais falsos e para participarem de uma legítima suruba. Como Vogel pensa que está lidando com satanistas, passa a bisbilhotar, sequestrar, torturar e assassinar em seus próprios rituais de exorcismo, que um dos personagens diz remeter aos rituais da época da inquisição, mulheres e homens que acredita estar do lado do “anjo negro”. O filme se estrutura basicamente nesses “movimentos” do protagonista.
O retrato que Franco faz de Mathis Vogel é muito forte, sempre com um comportamento bizarro e olhar aterrador. As cenas em que contracena com suas vítimas são de arrepiar, pelo desempenho do homem e pela força imagética que o diretor consegue imprimir em cena. Esses momento são filmados com um estilo quase documental, sem muitos cortes, às vezes com câmera na mão, de maneira muito efetiva e comprovam que, apesar de todo o estigma de péssimo diretor que Franco possui entre aqueles que dizem conhecer sua obra apenas assistindo dois ou três exemplares, trata-se de um dos grandes criadores de imagens do cinema de horror europeu.
E é preciso elogiar todo o trabalho de câmera e direção de Franco em O EXORCISTA DIABÓLICO, que desta vez não abusa de zoons e desfoques de maneira desmedida, como acontece em alguns de seus trabalhos menos cuidadosos dessa época, e consegue usar esses recursos de maneira consciente e até elegante, em especial nas cenas externas, na qual aproveita-se brilhantemente das paisagens de Paris, sem cair no óbvio. Além do uso da trilha sonora jazzística que acompanha a narrativa e se encaixa extremamente bem às imagens. Exalto o uso musical porque há exemplares do Franco que são verdadeiras torturas aos ouvidos do espectador. Pega-se uma única música, geralmente chata pra caralho, e coloca pra tocar o filme TODO! Mas podem ficar tranquilos, porque isso não acontece aqui.
Os cenários em ambientes fechados também são um primor em O EXORCISTA DIABÓLICO. As cenas de rituais satânicos, por exemplo, são filmadas com muita expressividade e enquadramentos desconcertantes, como a sequência que abre o filme, onde temos a musa, e esposa de Franco, Lina Romay, acorrentada, sendo chicoteada e lambrecada de sangue. Nessas sequências, especialmente, Franco abusa de algo que não se reclama: mulheres nuas. Um elemento que não pode faltar num filme com o selo Jess Franco de qualidade.
Todas as atrizes estão muito bem à vontade por aqui e Franco aproveita para realizar várias sequências de sexo, lesbianismo, com direito a uma orgia… Nada muito extremo, na verdade, só pra mostrar uns peitos, bundas e pintos moles. Pelo menos na versão que eu vi. Em conversa sobre o filme no Facebook, o Felipe M. Guerra me passou um mini guia sobre as principais versões que O EXORCISTA DIABÓLICO possui. E se um filme do Franco não tem muitas versões para embaralhar a cabeça dos fãs então não tem graça.
A versão original chama-se EXORCISME ET MESSES NOIRE, lançada em 1974. A intitulada DEMONIAC corta todo o barato do filme (nudez e sangue) e tem apenas 87 minutos. Foi lançado nos Estados Unidos no início dos anos 80 e possui cenas adicionais filmadas por Franco de seu personagem vagando em Paris no fim dos anos 70. EL SÁDICO DE NOTRE-DAME ou SADIST OF NOTRE-DAME é basicamente o filme original, todo remontado, contendo as cenas softcore e violência originais, mas com as filmagens de Franco vagando por Paris adicionadas. SEXORCISME, lançado em 1975, é a versão hardcore, com vários enxertos de boquetes e “aquilo entrando naquilo” em alguns momentos, com direito a cenas do próprio Franco dando lambidas na prexeca de sua esposa. Essa versão acabou tendo outras versões que variam de 71 a 82 minutos, com diversas cenas que acabam entrando em umas e saindo em outras… Uma bagunça só!
Por fim, chegamos na versão que eu vi. Intitulada lá fora como EXORCISM, é considerada a mais coerente versão possível em relação ao filme original. Portanto, não há cenas hardcore, nem as imagens adicionadas para as versões de 1979/1980. De todo modo, há cenas de violência gore e sequências que explicam melhor a história que ficaram de fora da versão original. E essa versão foi lançada no Brasil em DVD, com uma imagem muito boa, pela Vinny Filmes. Há ainda outras versões em que Franco refazia algumas cenas que havia nudez, mas com as atrizes vestidas para conseguir lançar em certos mercados internacionais. Coisa de louco! Mas se ficou confuso sobre qual versão se aventurar primeiro, recomendo a lançada no Brasil.
Temos aqui uma direção e fotografia caprichadas, imagens impactantes, boa trilha sonora, e talvez a melhor atuação do diretor. Ainda assim, reconheço que os filmes de Jess Franco não são para qualquer um. Não basta ser apenas um admirador de exploitation para tirar proveito da obra do espanhol. E O EXORCISTA DIABÓLICO não foge à regra. É preciso mergulhar de cabeça no mundo de Franco,deixar de lado alguns preconceitos, olhar além das imagens apelativas que o diretor trabalha… Depois de tudo isso talvez consiga perceber a beleza do cinema de Jess Franco.