Quando Roger Corman perguntou a Peter Bogdanovich se queria fazer um filme, lhe propôs o seguinte: de acordo com um contrato, o lendário ator de horror movies, Boris Karloff, devia à Corman dois dias de trabalho. Bogdanovich deveria nesses dois dias filmar algo em torno de vinte minutos aproveitáveis. “You can shoot twenty minutes of Karloff in two days. I’ve shot whole pictures in two days“, dizia Corman. Depois, Bogdanovich teria que utilizar mais vinte minutos de imagens de Karloff retiradas do filme THE TERROR, dirigido pelo próprio Corman, e assim, já teria quarenta minutos de película. Com outros atores, Bogdanovich poderia utilizar de dez a doze dias para filmar mais quarenta minutos e… voilá, um Boris Karloff movie de oitenta minutos de duração.
Bogdanovich não era exatamente um fã de Roger Corman, muito menos de filmes de horror – embora a fase das adaptações de Edgar Allan Poe lhe interessasse. Palavras do próprio diretor, que antes de se envolver na realização de filmes era um conceituado crítico de cinema, tanto que quando se mudou para Los Angeles foi o Corman – com seu instinto de caça-talentos – que foi atrás do rapaz perguntando se estaria interessado em escrever alguns roteiros.
Roteirista, produtor, diretor de segunda unidade e quebra-galhos, Bogdanovich fez de tudo um pouco na Corman Factory. No entanto, embora tenha aceitado de boa a proposta de Corman para este seu primeiro trabalho como diretor, o sujeito ficou um bocado desconfortável com a ideia de escrever uma história de horror ao estilo gótico, aporveitanto-se de imagens de um filme do gênero como outros tantos que surgiram nos anos anteriores. Como disse, Bogdanovich não gosta de horror… Foi então que o homem se lembrou que um editor da Esquire havia lhe dado a ideia de fazer um filme sobre um atirador maluco que mata diversas pessoas com um rifle. Uma história verídica que aconteceu no Texas nos anos sessenta.
Quando Corman leu o roteiro, disse que foi um dos melhores que já tinha lhe chegado em mãos. Aumentou o orçamento do filme e até conseguiu mais dias com o Karloff. E foi por esse caminho que TARGETS tomou forma, um filme que estabelece, com subtextos sobre o próprio cinema de horror, a relação do gênero com o público.
O que fazer então com o Karloff? Bogdanovich resolveu seguir sua intuição cinéfila: o velho seria um ator de filmes de horror que resolve se aposentar, cansado da vida que leva, das pessoas que tem de lidar e por perceber que seus filmes já estão ultrapassados, ingênuos e não assustam mais ninguém. O próprio Bogdanovich interpreta o diretor que tenta convencer Byron Orlock (Karloff) em não desistir de sua carreira e estrelar seu próximo filme. Em determinada cena, Bogdanovich e Karloff assistem a um trecho de THE CRIMINAL CODE (31), de Howard Hawks, no qual Karloff fez um personagem e rasgam elogios a Hawks, um dos diretores favoritos de Bogdanovich.
Em contrapartida, temos a outra trama, aterradora, de um rapaz que arruma um arsenal, mata sua família e sai pelas ruas atirando em pessoas aleatoriamente em plena luz do dia, como um sniper em um campo de batalha. A sequência em que o jovem deixa uma carta com letras em vermelho e realiza um banho de sangue em casa é digna de antologia.
O roteiro de Bogdanovich, que aparentemente possui contribuição não-creditada de Samuel Fuller e Orson Welles, equilibra as duas narrativas de uma forma sofisticada. O encontro entre as duas histórias não poderia ser num cenário mais propício para as intenções do diretor/roteirista: um drive-in onde acontece a sessão de estreia do último filme de terror de Orlock, com a presença do ator. O atirador se coloca atrás da tela de projeção e enquanto passa o filme que não causa mal a ninguém os tiros que “saem da tela” ferem mortalmente os espectadores. Choca quando o horror da ficção se revela insignificante diante o verdadeiro horror, aquele que ocorre diariamente na realidade. TARGETS, portanto, valida um pensamento sobre o cinema de horror americano, que começava a dar sinal de vida naquela época, à medida em que estabelece de forma clara essa relação entre o horror ficcional e o real, a banalidade de um e a evidente brutalidade do outro, mas sem soar como uma crítica ao lado fantasioso do cinema clássico do gênero.
Em termos de direção, é notável a maneira segura com a qual Bogdanovich conduz seu filme, com muita noção de timing, enquadramentos bem sacados, habilidade para a construção de tensão, driblando os entraves do baixo orçamento. As cenas com o Karloff são simpáticas e demonstram respeito e gratidão pelo grande ícone do horror que ainda é até hoje, mas é nas sequências com o atirador que o diretor estreante mostra inteligência e originalidade.
Nunca é revelado de forma clara os motivos que fazem o sujeito entrar num frenesi de violência contra todos à sua volta, mas há um desenvolvimento gradativo sendo pontuado: o personagem aponta um rifle na direção de seu pai num campo de tiro, senta-se no escuro fumando lentamente com um olhar sinistro, pequenos detalhes que insinuam um comportamento estranho do rapaz até culminar na já citada sequência do massacre da família e, logo depois, no alto de uma torre distribuindo chumbo nos motoristas numa rodovia, também daqueles momentos de pura maestria, onde o suspense é criado simplesmente pela decupagem, economia e composição das imagens quase documentais, sem trilha sonora e firulas.
Após TARGETS a carreira de Bogdanovich deslanchou. Desvencilhou-se de Corman e ganhou as graças da crítica e público com A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA (71) prosseguindo como um dos diretores mais relevantes do período da Nova Hollywood, no fim dos anos 60 e início dos 70. Ainda que A ÚLTIMA SESSÃO seja sua obra-prima na minha opinião, TARGETS permanece firme e forte como um dos seus trabalhos mais selvagens, interessantes e divertidos, além de ser uma bela homenagem a Boris Karloff e um ótimo estudo sobre o horror e medo dos nossos tempos.
já tinha lido outras criticas sobre esse filme Na Mira da Morte mas essa sem dúvida foi a mais empolgante e esclarecedora!!! Bogdanovich dirigiu umfilme que eu gosto muito que passava quando eu era criança na Globo mas eu sempre assistia só uma parte que é o Marcas do Destino sobre um jovem que nasce com uma doença Deformante da face e que tem uma mãe que o ama e luta pra que ele enfrente o mundo sem se esconder por causa de sua deformidade! a mãe do rapaz é interpretada pela Cher!