Há um plano no início de AENIGMA que é um espetáculo. O espírito de uma jovem deixa seu corpo, põe-se a flutuar e desloca-se, com um movimento de câmera que atua como ponto de vista da alma, através dos andares do edifício até sair pra fora pelo telhado e continuar sobrevoando os arredores sobre uma paisagem feita em maquete. Uma pequena amostra da genialidade de Lucio Fulci num filme que infelizmente não consegue ter outros momentos deslumbrantes como este.
Mas veja lá, um filme ruim do Fulci está longe de ser descartável e há sempre um ou dois momentos de genialidade para nos impressionar. Mas não é sempre que dá pra fazer um THE BEYOND, onde o italiano conseguiu realizar uma das obras de horror mais inventivas, niilistas, oníricas e aterradoras de todo o cinema com um fiapo de roteiro. Em AENIGMA o sujeito não teve a mesma sorte. O filme carece de uma boa trama, bons personagens, ainda que a atmosfera densa e distinta do horror italiano esteja presente em alguns momentos.
A trama tem um pouco de CARRIE (1976), de Brian de Palma, de PATRICK (1978), produção australiana de Richard Franklin, e uma pitada de SUSPIRIA (1977) e PHENOMENA (1985), de Dario Argento, no qual uma jovem estudante encontra-se em coma no leito de um hospital e através de poderes telecinéticos inicia uma perturbadora vingança contra aqueles que a colocaram naquela situação. Um enredo que poderia ter funcionado melhor se os personagens não fossem tão ruins e não tivesse tantos diálogos desinteressantes arrastando a narrativa. Fica difícil ter simpatia por alguém – ou pelo filme. Se ao menos Fulci focasse mais na construção atmosférica, na emoção e ação ao invés de cabeças que falam sem parar, ou até que tivesse mais peitos de fora, pois até nisso a quantidade é mínima.
O fato é que Fulci passou por maus bocados de saúde na segunda metade da década de 80, o que claramente refletiu na qualidade seu trabalho. Após um brilhante início de década, quase nada presta na sua filmografia entre 1986 e 1990, com algumas exceções. Ao menos teve fôlego depois pra fazer CAT IN THE BRAIN (1990), que é uma lindeza. Em AENIGMA temos ocasionalmente algumas ceninhas que nos fazem lembrar que estamos diante de um filme do bom e velho Lucio Fulci, como a sequência em que uma moça é ameaçada pelas pinturas e esculturas do cenário – atacada pela arte!
Mas a maior parte dos momentos de tensão não resulta do jeito que deveria e acaba atrapalhando a atmosfera de horror e suspense, como a famosa cena da garota atacada por caracóis, esses bichinhos fofinhos que nada fazem além de andar em cima da atriz. Tudo filmado e editado de forma lenta e sem inspiração. Não há efeitos sonoros repugnantes que salvem a cena. Parecia-me promissora quando soube que teria uma cena dessas, mas não chega aos pés do ataque das aranhas de THE BEYOND.
AENIGMA é terceiro filme que comento no especial halloween deste ano (provavelmente o último filme a ser comentado, já que o mês praticamente acabou e não tive tempo de escrever mais, o que não me impede de escrever sobre outros filmes de horror, o que transforma esse especial em algo um tanto estúpido e inútil) e todos os três não tiveram nada de especial. Ao menos não foi indicação de nenhum leitor desta vez, mas me lembrei que havia assistido há algum tempo e me apeteceu escrever.
Repito que um filme do Fulci é sempre um filme do Fulci, por pior que seja. Vale uma conferida, mas apenas se já tiver visto THE BEYOND, ZOMBIE 2 (1979), NEW YORK RIPPER (1982), NON SI SEVIZIA UN PAPERINO (1972) e uma porrada de obras poderosas que o homem possui no currículo. Se já estiver calejado com o Fulci, AENIGMA não vai aborrecer ninguém.
Belíssima Postagem.
Parabéns amigo.
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